Muito barulho para pouca coisa…

Rémy Herrera    01.May.19    Colaboradores

Macron anunciou finalmente as suas medidas para dar resposta à contestação social (dos “gilets jaunes”, do movimento sindical, de diferentes sectores sociais). Os media obedientes procuraram promover a expectativa. Mas o resultado é um enorme vazio. E, se tinham a intenção de acalmar a contestação social, o resultado é capaz de ser o inverso.

Inicialmente seria em 15 de Abril que o presidente Macron deveria pronunciar o seu discurso televisionado destinado a responder às reivindicações dos coletes amarelos e apresentar suas tão esperadas medidas. Este perigoso exercício foi poupado in extremis pelo terrível incêndio de Notre-Dame - propriedade de um Estado que há décadas abandona os tesouros nacionais e obra-prima do património cultural da humanidade que um vago chefe de Estado se mostrou incapaz de proteger.

Logo após o dia 15, várias das propostas presidenciais tinham sido discretamente divulgadas. Seguindo as instruções emanando do Elysée, os media elevaram o suspense, à maneira dos slogans de campanhas publicitárias: “haverá um antes e depois”, “nada mais será como antes”, “surpresa à vista” … O que havia a esperar de um Presidente da República que anunciou em meados de Janeiro, quando do lançamento do seu “Grande Debate Nacional”, que não mudaria de rumo?
Foi na tarde de 25 de Abril que a silhueta esguia de sua Majestade fez o seu show, diante de uma plateia de ministros e de devedores, todo sorrisos, mesuras e dorsos curvados dos lacaios da alta finança. Para quem tenha anteriormente sofrido o inconveniente de levar com uma das alocuções do actual presidente francês o hábito está adquirido: este último, um ex-actor aprendiz é costumeiro em frases de um lirismo enfático e exagerado, de expressões tão insólitas e absurdas, de fórmulas ocas, ambíguas, pervertidas, de tal modo enganosas no fundo, que ninguém compreende precisamente nem sobretudo acredita numa palavra do que ele diz. Aqui estamos - e cansados.

Face à emergência ecológica, que propõe o Presidente da República Francesa? O respeito pelo Acordo de Paris 2015sobre o clima? Financiamentos? Uma luta frontal contra os lobbies de industriais poluidores? Pensem então! Algo mais oportuno: a criação de um “Conselho para a Defesa do Meio Ambiente”! Renúncia infame, criminosa! Os ambientalistas, os “caminhantes pelo clima” e todos os activistas do “Assunto do Século” (campanha organizada por um colectivo de associações que reuniram mais de dois milhões de signatários e atacaram o Estado na justiça pela sua inação na luta contra o aquecimento global) não terminaram de se manifestar!

Diante à exigência de democracia e de participação, qual a solução escolhida por Emmanuel Macron? O referendo de iniciativa cidadã, reivindicação dos coletes amarelos e dispositivo de democracia directa permitindo aos cidadãos envolver a população por referendo sem o acordo do executivo ou do legislativo? Não! Um referendo de iniciativa local (que existente já desde 2003), uma pequena dose de escrutínio proporcional para eleger os deputados e a supressão anunciada a supressão da École nationale d’Administration (que as escolas de comércio [privadas!] substituirão em breve) … Nenhum progresso nas empresas, na função pública. A oligarquia tem medo do povo!

Algo em favor do poder de compra? Não! Nenhum aumento no salário mínimo, dos abonos de família, nem de outros auxílios sociais. Nada então? Sim: um impulso para que as “mães solteiras”, criando os seus filhos sozinhas, possam receber a pensão alimentar devida pelo seu ex-cônjuge. Macron esqueceu-se sem dúvida que uma lei (votada em 2016, visivelmente não aplicada) existe já sobre este assunto! E sobretudo não há nenhuma ajuda prevista para as mulheres solteiras que são mais necessitadas: aquelas a quem o pai dos seus filhos tem a elegância de não pagar pensão alimentar para criar os seus filhos!

Pensões de reforma? O presidente tem-nas feito roer desde há perto de dois anos, fazendo-as perder 6% de poder de compra. Ao anunciar a reindexação à inflação apenas das pensões inferiores a 2000 euros por mês (será isto constitucional? porque a aposentação é um direito universal resultante do pagamento de contribuições ao longo da carreira), Macron apenas devolve aos reformados uma magra parte do que lhes roubou. Ele clama que nenhum pensionista receberá menos de 1000 euros por mês. A pensão mínima de velhice sendo atualmente de 962 euros, esta generosidade corresponde a 38 euros extra por mês! No entanto, uma lei já existente estipula que a aposentadoria deve exceder 85% do salário mínimo, ou seja 1.175 euros. Procurem onde está o erro …

E a fiscalidade? Iria reestabelecer - como querem nove em cada dez franceses - o imposto sobre as grandes fortunas? Aumentar a carga tributária sobre os ultra-ricos, introduzindo, por exemplo, novas fatias de imposto sobre os rendimentos individuais para os contribuintes mais ricos? Ou suprimir a taxa sobre o valor acrescentado em produtos de primeira necessidade? Ou ainda, rastrear finalmente a fraude fiscal? Estão a brincar! Então o que? O Presidente respondeu. Será um relatório encomendado (para o outono) ao Tribunal de Contas sobre a optimização fiscal sem que qualquer medida seja tomada antes disso; e o cancelamento de “alguns nichos fiscais para as empresas,” mantendo o “Crédito fiscal para a competitividade e o emprego” - o maior nicho fiscal oferecido pelo Estado capitalista a grandes capitalistas franceses (20 milhares de milhões euros por ano, e outros tantos milhões em reduções das contribuições para a previdência social). Obrigado Macron!
Sejamos completos. Haverá também uma redução no imposto sobre os rendimentos (IRPP) “para todos”. Problema: menos de 50% dos franceses pagam este imposto - embora seja o mais justo de todos, porque em função das remunerações recebidas, relativamente progressivo e directo (ao contrário do IVA) e – caso efectivamente excepcional - comparativamente mais baixo em França (3,5% do PIB) do que em outros lugares da Europa ou da OCDE. Os 55% dos franceses que não pagam o IRPP são principalmente os mais pobres … Os quais não beneficiarão portanto de uma redução de impostos!

O movimento de coletes amarelos mobilizou-se inicialmente contra o aumento dos impostos sobre os combustíveis. Hoje, o preço da gasolina é o mais elevado de sempre em França; o automóvel é o consumidor mais tributado e, entre as despesas de manutenção, os prémios de seguro e os controlos técnicos, a despesa com as viatura aumentou em mais de 10% nos últimos 12 meses.

Estes anúncios de Macron em nada respondem às expectativas profundas dos coletes amarelos, bem como do povo francês no seu conjunto. Eles pretendem antes de mais consolidar o bloco eleitoral de direita e centro-direita sobre o qual o Presidente da República actualmente se apoia. Não irão extinguir as cóleras. Tanto mais que a busca de “reformas” é reconfirmada: pensões, função pública, subsídios de desemprego … Alerta de tempestade para os próximos dias!

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