Obrigado pelo espectáculo
Dirigentes do Partido Socialista Francês**

Jean Salem*    27.Nov.08    Colaboradores

Jean Salem
Neste artigo, o amigo e colaborador de odiario.info, Jean Salem, comenta com ironia a farsa que foi a preparação do Congresso do Partido Socialista Francês. Aquilo que se passou na reunião magna dos socialistas franceses confirmou a sua reflexão.

A esquerda, a real, a das lutas, a da «gente séria», que assiste, alarmada, a esta verdadeira lição das coisas, deve acender uma vela aos dirigentes do Partido Socialista Francês. Isso porque, melhor do que outros da Europa, persistem em nos oferecer o lamentável espectáculo de um clube de notáveis, especialistas em e em debates ridículos, mestres em lengalengas e combates entre «perdedores».

Obrigado a todos! Muchas gracias a todos, compañeros! Fortalecem-nos na convicção de que a verdadeiro caminho aberto à esquerda francesa há mais de vinte anos, somente pode ser seguido por uma organização digna desse nome, coerente, impermeável à corrupção e ligada ao mundo do trabalho.

Vazio

Chegamos a um ponto em que o único acontecimento que apimentou a preparação do Congresso de Reims foi a declaração de um senador socialista (Jean Luc Mélenchon), que, arriscando-se a comprometer o seu futuro, que não é mais membro do PS e vai fundar um novo partido. Televangelismo laico contra reformismos cinzentos, concursos de inquietantes declarações (a de Bertrand Delanoe contra a «esquerda da esquerda, que seria «cúmplice do terrorismo») cacofonias colocando a reforma aos 70 anos (Betrand é quase favorável, mas François Holland é quase contra) e sobre quase todos os assuntos, semi-conivências com a Presidência da Republica ou adesões desprezíveis ao campo dos vencedores (Besson, Kouchner,Strauss Kahn,etc): tudo isso provoca enjoo ou, melhor, convida a meditar sobre a total decomposição da social-democracia em fase pós-moderna.

Insondável vazio da moção Delanoe, que pretende inscrever-se, com «humilde orgulho», na história do partido (espera-se que excluam os anos 40, os anos 60 e ainda muitos outros). O único parágrafo consagrado à situação internacional explica que é necessário «avaliar bem o mundo em que vivemos»… A análise da crise financeira reduz-se a esta forte tirada: «o capitalismo, em escala mundial, descobre à sua custa as suas próprias taras». Segue-se este apelo à revolta e este programa de acção muito preciso: «A economia precisa de ser regulamentada».

Um vácuo levemente menos desesperador é o da moção Aubry, que visa sem duvida fazer-nos sonhar ao reivindicar um «reformismo ancorado na realidade actual», que assinalou a existência de «motins da fome» neste mundo em crise; e que pretende colocar na agenda, no caso de uma retomada, «um incentivo forte à negociação dos salários nas empresas». Notável! Quanto à moção de Segolène Royal e dos seus amigos, sugere na sua habitual nova língua, («promover com urgência a excelência ambiental», «desenvolver novos modelos de desenvolvimento dos nossos territórios»), mas emite simultaneamente constatações não desprovidas de inegável bom senso («o desaparecimento do “ bloco do Leste” e do “socialismo real” permitiu uma liberalização descontrolada do mercado»). Convêm ainda referir as moções C (Benoit Hamon) e F (intitulada “Utopia”) para encontrarmos vestígios de expressões de uma incomum audácia politica, como «sistema em plena deriva», ou frases tão violentas como esta: O neoliberalismo naufraga!»

Solidão

Bem vistas as coisas, o caso Mélenchon é interessante por duas razões, pelo menos. Em primeiro lugar ilumina a solidão e a evidente marginalização de um homem que, opondo-se a tudo e todos, se esforçou por acreditar que a direcção do PS se situa ainda «à esquerda». Oficializa depois o facto de que esse segmento classicamente «esquerdista» dos partidos socialistas europeus (jusos alemães, Marceau Pivert em França, trotskistas «entristas» dos anos 70, etc.) que voltava às fileiras logo que o Partido se achava em situação de gerir lealmente os negócios do capitalismo, já não tem espaço no PS francês de 2008, sequer para respirar.

* Professor de Filosofia na Sorbonne, França

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