Um diálogo sobre a polÍ­tica externa brasileira

Ivan Pinheiro*    30.Oct.14    Outros autores

O CC do PCB teve o cuidado de registar que “respeitamos aqueles companheiros de esquerda que consideram que as diferenças entre o PSDB e o PT ainda são relevantes e que votarão em Dilma como um mal menor” e que “contamos com esses companheiros nas acirradas lutas que se aproximam”. Fica claro, portanto, que nosso diálogo é com aqueles que querem superar o capitalismo e não com os que querem humanizá-lo, como se isso fosse possÍ­vel.

Camaradas:
Senti necessidade de escrever essas modestas linhas, diante da surpreendente repercussão da Nota PolÍ­tica do PCB, indicando o voto nulo no segundo turno das eleições presidenciais de 2014.
Uma decisão corajosa como esta, que condicionou a tática Í  estratégia socialista da revolução brasileira, reiterada pelo recente XV Congresso Nacional do Partido, provocou esta saudável polêmica, exatamente porque questiona o ritual que se repete nas últimas eleições, Í s vésperas das quais o PT tem uma recaÍ­da de discurso Í  esquerda, levantando o fantasma do golpe de direita, como se o capital quisesse derrubar o governo que lhe deu lucros “como nunca antes na história deste paÍ­s”.
O debate em geral tem sido num nÍ­vel elevado, apesar de algumas posturas passionais, ao sabor das pesquisas eleitorais, em função do risco de o PT perder as eleições para si próprio.
O voto nulo não é uma questão de princÍ­pio para os comunistas, mas uma posição polÍ­tica que exigimos seja respeitada. Se fossemos bolivianos, não terÍ­amos dúvidas de recomendar com entusiasmo o voto em Evo Morales que, é bom lembrar, nunca correu risco de perder as recentes eleições, porque efetivamente promoveu mudanças no sentido dos interesses populares. Convocou uma Constituinte soberana logo no inÍ­cio de seu primeiro mandato, estatizou os setores estratégicos da economia, inclusive a multinacional Petrobrás, e desenvolveu uma polÍ­tica anti-imperialista.
Hugo Chávez e Evo Morales, que adotaram medidas contrárias aos interesses do imperialismo e das oligarquias locais, estes sim, enfrentaram e venceram várias tentativas de golpes de estado, com o decisivo apoio das massas, politizadas e radicalizadas pela disputa ideológica desses processos de mudança.
Reparem que o CC do PCB teve o cuidado de registrar que “respeitamos aqueles companheiros de esquerda que consideram que as diferenças entre o PSDB e o PT ainda são relevantes e que votarão em Dilma como um mal menor” e que “contamos com esses companheiros nas acirradas lutas que se aproximam” . Fica claro, portanto, que nosso diálogo é com aqueles que querem superar o capitalismo e não com os que querem humanizá-lo, como se isso fosse possÍ­vel.
Pretendo aqui privilegiar o tema mais citado como motivo do “voto útil” em Dilma: o mito da polÍ­tica externa “progressista” ou “anti-imperialista” dos governos petistas, o que positivamente delimita nosso debate ao campo polÍ­tico internacionalista.
Quero começar lembrando que nenhum partido ou governo tem uma polÍ­tica externa contrária Í  sua polÍ­tica interna ou incompatÍ­vel com sua base de sustentação polÍ­tica. E a polÍ­tica interna e externa dos governos petistas é a prioridade absoluta no desenvolvimento do capitalismo brasileiro, em âmbito nacional, regional e internacional, com vistas Í  sua ascensão na pirâmide imperialista.
No nosso paÍ­s, em que nunca houve uma ruptura da ordem, a polÍ­tica externa predominante não é de governos, mas do estado burguês, consagrada pela sólida e eficiente tradição pragmática do Itamaraty, cujo critério não é ideológico, mas o de sempre fazer contas para calcular como o capitalismo brasileiro pode ganhar mais e perder menos em cada caso concreto.
O exemplo mais dramático foi a demora na escolha de um lado na Segunda Guerra Mundial, para não ficar do lado que viesse a perder. Não fosse a campanha dos comunistas e outros progressistas, o governo brasileiro não teria entrado na guerra ao lado dos aliados, já nos estertores do nazifascismo.
Até durante os vinte anos da última ditadura burguesa sob a forma militar, a partir de 1964, os interesses do capitalismo brasileiro levaram o governo a se posicionar com alguma independência na arena internacional, uma polÍ­tica que seus dirigentes chamavam corretamente de “pragmatismo responsável”, uma boa definição para a diplomacia que sempre prevaleceu em nossa polÍ­tica externa: um algodão entre cristais. Foi o caso, por exemplo, do reconhecimento dos governos nascidos das guerras de libertação na ́frica, de olho nas possibilidades econômicas deste continente.
É bom lembrar que o condutor e referente da polÍ­tica externa brasileira nos últimos doze anos é Lula, que fez questão, na sua primeira posse, de dizer que não era socialista e que seu sonho era destravar o capitalismo brasileiro, usando a metáfora do “espetáculo do crescimento”. É o mesmo que assinou a Carta aos Brasileiros e foi Í  Casa Branca garantir a Bush filho a manutenção do status quo, garantir os contratos e a autonomia do Banco Central, sob a direção de Henrique Meirelles, Í  época presidente do Bank of Boston.
É o mesmo Lula que aceitou um pedido do mesmo Bush, pelo telefone, para que o Brasil assumisse o comando das forças de ocupação do Haiti, após o imperialismo seqüestrar e levar para lugar incerto o presidente eleito do paÍ­s. Uma ocupação que dura mais de dez anos e que envergonha os internacionalistas brasileiros!
Não nos esqueçamos também do acordo militar assinado pelo governo Lula com os Estados Unidos, em 12 de abril de 2010, denunciado pelo PCB, destinado a “aprofundar a cooperação em áreas como contatos técnicos, treinamento, investigação e iniciativas comerciais relacionadas com segurança”. O acordo foi assinado em Washington pelo Ministro de Defesa de Lula, Nelson Jobim, e o Secretário de Defesa norte-americano, Robert Gates, que, na ocasião, declarou solenemente: “Este acordo é o reconhecimento formal dos muitos interesses e valores que compartilhamos, sendo as duas maiores democracias das Américas”.
Lula, mesmo que Í  sua revelia, se tornou uma liderança sindical, nacional e internacional, em razão de uma estratégia da eminência parda da ditadura, Golbery do Couto e Silva, que conduziu a “abertura lenta, segura e gradual” com a preocupação principal de evitar que os comunistas emergissem com força do processo de “transição democrática”. De uma hora para outra, Lula foi capa de revistas nacionais e internacionais, saudado como a “esquerda moderna”, que defende a harmonia entre capital e trabalho.
A promoção da nova liderança foi facilitada pela circunstância de Lula estar no local certo na hora certa, as greves metalúrgicas do ABC, e por sua formação polÍ­tica no sindicalismo norte-americano, com forte ligação com a anticomunista CIOLS (Confederação Internacional dos Sindicatos Livres) Í  qual, por sua influência, a CUT se filiou nos anos 1990, aprofundando sua degeneração. Quando fundou o PT, Lula revelou seu anticomunismo e personalismo, ao criar todos os obstáculos ao ingresso de Luiz Carlos Prestes no novo partido, no inÍ­cio dos anos 1980, após o seu rompimento com o PCB. Lula não queria nas fileiras do PT um comunista reconhecido internacionalmente, a maior liderança popular da história do Brasil.
É surpreendente ver camaradas de luta se rendendo Í  chantagem petista e perdendo o sono, achando que uma eventual derrota de Dilma pode significar a derrota de Cuba, da Venezuela, da insurgência e do movimento de massas colombianos, o fim do Mercosul, a opção pela Aliança Andina, a volta da ALCA, o fim da Celac e da Unasul, a saÍ­da do Brasil dos Brics.
Há até os que, como o respeitado marxista argentino AtÍ­lio Borón, que considero amigo e camarada, nos aterrorizam com o espectro do nazismo, comparando o que consideram errado na posição do PCB com o fuzilamento do Secretário Geral do Partido Comunista Alemão pelas SS de Hitler! E que pinça uma frase do Manifesto Comunista, de Marx e Engels ( “os comunistas não formam um partido Í  parte, oposto a outros partidos operários” ), para justificar uma aliança com o PT, como se este fosse ainda um “partido operário”. E ainda menciona Lenin, para defender alianças com os reformistas, quando em verdade sua principal contribuição é exatamente a luta sem tréguas contra o oportunismo.
Por coincidência, reli recentemente o texto “O oportunismo e a falência da II Internacional”, que Lenin escreveu em 1916, e do qual retiro uma breve citação:
“Um pequeno cÍ­rculo da burocracia operária, da aristocracia operária e de companheiros de jornada pequeno-burgueses podem receber algumas migalhas dos lucros da grande burguesia. A causa profunda do social-chauvinismo e do oportunismo é a mesma: a aliança de uma pequena camada de operários privilegiados com a “sua” burguesia nacional contra as massas da classe operária, a aliança dos lacaios da burguesia com esta última contra a classe por ela explorada. O conteúdo polÍ­tico é sempre o mesmo: a colaboração de classes, a renúncia Í  ditadura do proletariado, o reconhecimento sem reservas da legalidade burguesa, a falta de confiança no proletariado, a confiança na burguesia”.
Subestimando a capacidade de luta dos trabalhadores e valorizando apenas a institucionalidade, anunciam que uma vitória de Aécio faria desaparecer alternativas Í  esquerda por um longo perÍ­odo, comparado Í  ditadura burguesa-militar de 1964! Seria oportuno refletirmos sobre as diferenças, no Chile, entre os governos progressistas de Bachelet e do direitista Piñera, não deixando de levar em conta a combatividade do movimento de massas em cada perÍ­odo. Ou mesmo as diferenças entre os governos Bush e Obama, Sarkozy e Hollande, que os revolucionários franceses chamam de Sarkollande. Quem implantou o neoliberalismo na Espanha foi o Partido Socialista Operário Espanhol.
Esse é um modelo mundial implantado nos paÍ­ses de capitalismo avançado, inspirado na fórmula estadunidense: uma bipolaridade eleitoral no campo da ordem, com possibilidade de alternância nos marcos da administração do capitalismo.
Outros alegam que, não havendo (o que é verdade) condições revolucionárias subjetivas, só nos resta votar no “mal menor”. Revolução ou eleição, eis a questão!
Nesta conversa sobre a fantasia da polÍ­tica externa “progressista” ou “anti-imperialista”, começo pela América Latina.
A coincidência do advento de processos de mudanças na América Latina (Venezuela, BolÍ­via, Equador) com o inÍ­cio do governo Lula, contribuiu para este mito, ainda mais com a memória do inÍ­cio da história do PT como um partido de luta e com o fato de que o novo Presidente tinha origem operária. Poucos se davam conta de que, enquanto naqueles paÍ­ses se mobilizavam os trabalhadores para as mudanças e se enfrentavam as oligarquias e o imperialismo, no Brasil o novo governo abandonava seu programa já rebaixado para garantir a continuidade das polÍ­ticas neoliberais de FHC, cooptava os movimentos sociais e desmobilizava os trabalhadores, promovendo acordos com os partidos burgueses para garantir a ordem e a governabilidade institucional. E quantas vezes nos pediram paciência, pois as mudanças chegariam? Há alguns esperando até hoje!
O PCB não caiu nessa balela. Deixou de acreditar nessas promessas em março de 2005, no seu XIII Congresso, quando constatou o transformismo irreversÍ­vel do PT e tornou público seu rompimento com o novo governo.
A aproximação do novo governo brasileiro com a Venezuela teve a ver com uma estratégia econômica, não ideológica. Como a Venezuela tem uma frágil economia rentista petroleira e não substituiu suas importações, este paÍ­s se transformou num paraÍ­so para os monopólios brasileiros, com a venda de serviços de engenharia e de bens de consumo, praticamente sem concorrentes, em função da tensa relação do governo bolivariano com seus tradicionais fornecedores, os EUA e a Colômbia.
É verdade que o governo Lula ajudou a Venezuela no “paro petroleiro” simbolicamente com um carregamento de combustÍ­vel. A derrota de Hugo Chávez poderia significar, naquele momento, a perda de um promissor mercado para nossos produtos. Mas quem derrotou esta e várias tentativas de golpe de direita, sob a direção do imperialismo, foram as massas venezuelanas e a determinação polÍ­tica de Chávez.
É também verdade que o governo brasileiro teve peso na inviabilização da ALCA, num exitoso movimento continental, sob a liderança combativa de Hugo Chávez, a partir de um ato polÍ­tico de massas em Mar Del Plata, em 2005.
Mas coerente com o pragmatismo responsável e com a liberdade de concorrência por mercados, assim como ajudou a enterrar a ALCA, o governo Lula ignorou e boicotou a ALBA (Alternativa Bolivariana para os Povos) e o Banco do Sul, dois grandes projetos de Hugo Chávez para uma integração complementar e solidária da América Latina.
Se a chamada revolução bolivariana for derrotada não será por responsabilidade de Dilma nem de Aécio, mas por conta de suas limitações para radicalizar e avançar o processo, com a criação de um verdadeiro poder popular capaz de começar a destruir o aparelho burguês. O mesmo vale para o Equador e a BolÍ­via. O humanista Fernando Lugo, eleito presidente do Paraguai, com a simpatia e a contribuição do Foro de São Paulo, foi derrubado por um golpe branco da direita, urdido pelo imperialismo nas barbas do governo petista, que botou o Paraguai de castigo no Mercosul e, poucos meses depois, o acolheu de volta, reconhecendo os golpistas como legÍ­timos governantes porque, afinal, os negócios não podem parar!
No caso da Colômbia, só os inocentes úteis não percebem a pragmática polÍ­tica externa brasileira, encaminhada pelo governo, pelo PT e o Foro de São Paulo. Em julho de 2008, ainda Presidente, Lula promoveu em Bogotá, ao lado do bandido ́lvaro Uribe, um grandioso encontro de centenas de empresários e polÍ­ticos burgueses brasileiros e colombianos, para inaugurar uma parceria comercial. Dialogando com a burguesia colombiana, que majoritariamente quer o fim urgente do conflito social e militar, para melhorar a imagem internacional do paÍ­s e captar investimentos estrangeiros, Lula abriu o encontro (“Colômbia-Brasil: novas fronteiras de negócios”), com uma frase que diz tudo: “A América Latina não precisa mais da espada de BolÍ­var, mas de crédito!”.
Na mesma ocasião, os dois presidentes compartilharam o palanque para um desfile militar e se reuniram na casa de hóspedes da presidência colombiana, onde firmaram acordos não divulgados, em cuja pauta se destacava a “cooperação em defesa e segurança fronteiriça”, para reforçar o Plano Colômbia, durante o qual a Colômbia acolheu mais sete bases norte-americanas e passou a ser o segundo destino de armas dos EUA, depois de Israel.
A partir deste encontro, o Brasil do PTpassou a ser um dos maiores fornecedores de material bélico para o estado terrorista colombiano. O covarde ataque aéreo desfechado contra o acampamento de Raul Reyes (então porta-voz internacional das FARC), com invasão do espaço aéreo equatoriano, se deu a partir de um dos muitos aviões militares vendidos pelo Brasil, durante o Plano Colômbia, o frustrado projeto de acabar militarmente com a guerrilha. Ironicamente, os aviões brasileiros chamam-se supertucanos.
Como dissemos no inÍ­cio, a polÍ­tica internacional de um partido é a extensão de sua polÍ­tica interna. Além do fornecimento de armas, o governo brasileiro vem trabalhando nos bastidores para tentar forçar a insurgência a uma paz rápida, sem custos, com a entrega das armas, o que significaria um extermÍ­nio semelhante ao que vitimou milhares de militantes da União Patriótica, no inÍ­cio dos anos 1990.
A partir do governo Lula, o PT aparelhou totalmente o Foro de São Paulo, uma articulação criada basicamente pelos partidos comunistas da América Latina há mais de 25 anos, privilegiando agora os partidos socialdemocratas e liberais, tidos como progressistas, tirando qualquer espaço para a ação dos comunistas, pelo menos daqueles que não se renderam ao capital. O Foro de São Paulo se transformou num instrumento de conciliação de classe e de expansão da influência do capitalismo brasileiro, tendo como função principal o apoio polÍ­tico e material a candidatos “progressistas” na região, identificados com os governos petistas, para garantir futuros bons negócios.
Para confirmar a ação do PT e do governo brasileiro pela “paz dos cemitérios” na Colômbia, eu queria apelar para a boa memória de AtÍ­lio Borón, o camarada e amigo argentino a que já me referi neste texto.
Estávamos os dois indignados, numa edição do Foro de São Paulo em Caracas, em 2012, com o fato de o PT não ter permitido que Piedad Córdoba usasse da palavra, logo ela, a maior expressão mundial da luta pela paz com justiça social na Colômbia. Não foi permitido também que o amplo movimento social colombiano Marcha Patriótica se credenciasse no evento.
Ainda na América Latina, quero afirmar que é desrespeitosa Í  Revolução e ao povo cubano a chantagem, de reformistas e inclusive de declarados revolucionários, de apregoarem que a eventual derrota da Dilma significará a derrota da construção do socialismo em Cuba.
Novamente aqui a superestimação do institucional e a subestimação da luta dos trabalhadores. Respeitem a Revolução Cubana, que resiste há 50 anos a um cruel boicote imperialista, resistiu a duas décadas de Operação Condor, com ditaduras de direita em quase toda a América do Sul e, num feito que poucos acreditavam, resistiu Í  queda da União Soviética, com o heróico perÍ­odo especial.
Essas manobras eleitorais têm como base a crença de que a fração burguesa que governaria com Aécio (cá entre nós, basicamente a mesma que governa com o PT) romperia com a cultura do pragmatismo responsável, transformaria o Brasil em numa nova estrela da bandeira norte-americana e mandaria a Odebrecht se retirar imediatamente da Venezuela e de Cuba, suspendendo o canteiro de obras venezuelano e as obras do Porto de Mariel!
E pior: como se o socialismo em Cuba dependesse da “solidariedade internacionalista” dos monopólios brasileiros e não da organização e do valor que seu povo dedica Í  sua Revolução.
Para que nossos amigos durmam em paz, lembro aqui uma recente entrevista, no reacionário jornal Folha de SP, de Marcelo Odebrecht, presidente da empreiteira favorita. Ali ele faz duas afirmações, uma duvidosa e outra indiscutÍ­vel, sobre o porto de Mariel, em Cuba: “Se o porto será de grande importância para o socialismo cubano, foi o capitalismo brasileiro que mais ganhou até agora”. E eu acrescento uma pergunta: quem ganhará mais com a exploração deste estratégico porto em pleno Caribe?
Esta semana, um blog petista (“tijolaço” ) deu um tiro no pé da fantasia da polÍ­tica externa “anti-imperialista”. Para conquistar votos Í  direita, provou documentalmente que o governo de FHC também usava o BNDES para dar “solidariedade” Í  Venezuela e a Cuba, num texto com direito a uma foto carinhosa, em que se entrelaçam as mãos de Fidel, Chávez e FHC.
Lula viaja frequentemente nos jatos da Odebrecht para visitar (desinteressadamente!) as obras da “sua” empreiteira favorita em Cuba, na Venezuela e em outros paÍ­ses da região. Conseguiu em Cuba que a sua querida Oderbrecht assumisse o monopólio do plantio e da colheita de cana de açúcar para produção de biocombustÍ­veis. A mesma colheita de cana que já levou dezenas de milhares de jovens de todo o mundo ao trabalho voluntário na Ilha Rebelde.
Eu estava em Havana em fevereiro deste ano, quando vi no Granma uma foto numa matéria que registrava mais uma viagem de Lula a Cuba, desta vez levando pelo braço o rei da soja no Brasil, o seu grande parceiro polÍ­tico, Blairo Maggi, que responde a vários processos por corrupção em nosso paÍ­s. Desta vez, o lobby era para a implantação do cultivo da soja em território cubano.
Com todo respeito, são fantasiosos os argumentos daqueles que declaram que há um risco do fim do Mercosul, da Unasul, da Celac. Qual governo burguês retiraria o Brasil destas instituições multilaterais estatais, absolutamente heterogêneas, desideologizadas?
Quem infelizmente está com os dias contados, pela morte de Chávez, de que se vale a ação do governo brasileiro, é a ALBA, aos poucos engolida pelo Mercosul, uma integração estatal capitalista sob hegemonia brasileira. Aos que temem o Brasil sair do Mercosul e aderirÍ  Aliança do PacÍ­fico (Colômbia, Peru, Chile e México), era bom ler a entrevista desta semana do Ministro das Relações Exteriores de Dilma, em que informa sobre uma reunião em Santiago do Chile, no próximo dia 24 de novembro (anotem em suas agendas!), entre o Mercosul e a Aliança do PacÍ­fico, como um primeiro passo para um acordo de livre comércio único de toda a região.
Aos inocentes úteis ou mal informados, é preciso dizer que o Brasil lidera atualmente os esforços, já bem avançados, para a celebração de um TLC (Tratado de Livre Comércio) do Mercosul com a União Européia, contra o qual Hugo Chávez sempre se bateu.
Para os que acham que o Brasil é solidário com a Palestina, por conta de declarações e atitudes pela paz e pela criação irreal e artificial de dois Estados assimétricos, é bom lembrar que, por iniciativa do governo Lula, Israel é o único paÍ­s que tem um TLC com o Mercosul. Israel é um dos maiores parceiros comerciais de material bélico com o Brasil, que sedia, no Riocentro (Rio de Janeiro) o evento periódico que o movimento de solidariedade ao povo palestino corretamente chama de Feira da Morte (“Feira Internacional de Defesa e Segurança”). Ali são apresentados e comprados os novos equipamentos militares e policiais, de origem basicamente brasileira e israelense, cada vez mais sofisticados, um comércio em que o Brasil cresce anualmente.
Os BRICs se transformaram recentemente no principal exemplo para os reformistas e revolucionários iludidos afirmarem que a polÍ­tica externa brasileira é ideológica e que se os neoliberais vencerem os social-liberais, vão imediatamente retirar o Brasil dos Brics.
Alguém poderia apontar pelo menos um setor da burguesia brasileira que tenha criticado este importante acordo comercial e tarifário? Quanto mais “janelas de oportunidades” se abrem para o capital, melhores são suas possibilidades de negócios, que não têm nada a ver com ideologia. Ainda mais em se tratando de uma união estatal na esfera do capitalismo, liderada pela China, o paÍ­s com o qual o Brasil hoje tem o maior intercâmbio comercial, o que mais compra as nossas commodities.
Há os que vêem os Brics como uma plataforma anti-imperialista, certamente porque se esqueceram de que a Rússia hoje não é mais a União Soviética e que a China está Í s vésperas de se tornar a maior potência capitalista mundial. O que há hoje em dia é uma acirrada disputa interimperialista que não interessa Í  classe operária e aos trabalhadores, que não têm que escolher entre imperialismo “bom ou mal”, pois a sua luta é pela destruição do capitalismo, para abrir caminho Í  construção do socialismo.
É bom lembrar que o imperialismo fez de Lula o grande garoto propaganda internacional para promover a tese de que aos trabalhadores interessa o desenvolvimento do capitalismo e não sua derrota. Durante seu governo, Lula foi o “pudim de toda festa” dos Foros Econômicos Mundiais, a reunião periódica do “Comitê Central” do imperialismo, em Davos (SuÍ­ça). Ele era sempre o convidado especial, a atração que animava a todos, dando alegria Í s fotos oficiais, para simbolizar a harmonia entre o capital e o trabalho. É este, camaradas, o articulador de uma polÍ­tica externa anti-imperialista?
Para não dizerem que não falei dos Estados Unidos e nem de Dilma, não posso deixar de lhes lembrar um dos episódios mais vergonhosos da história do Brasil. Obama foi o primeiro estadista a visitar o Brasil, em março de 2011, logo após a posse da atual Presidente, num ritual performático que durou três dias consecutivos. O Brasil literalmente parou para receber Obama e sua comitiva de centenas de empresários norte-americanos, protegidos por um verdadeiro exército de militares e agentes da CIA.
A soberania nacional ficou suspensa no perÍ­odo. Enquanto empresários e ministros dos dois lados formalizavam acordos comerciais e estatais, montou-se um aparelho de repressão sem precedentes após a ditadura. Para fazer a vontade de Obama de realizar um evento no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, o governo comandou uma ação conjunta na cidade, envolvendo todas as forças armadas e militares para impedir que os manifestantes protestassem na Cinelândia, um dos locais mais simbólicos da luta popular.
E essa histórica visita se deu num momento de importante desgaste do imperialismo norte-americano na América Latina e no mundo em geral. Desta forma, assim se pronunciou o CC do PCB em nota polÍ­tica durante a visita:
“O governo brasileiro montou um palanque de honra e um potente amplificador para Obama falar ao mundo, em especial Í  América Latina, para ajudar os EUA a recuperarem sua influência polÍ­tica e reduzir o justo sentimento antiamericano que nutre a maioria dos povos. Nem na ditadura militar, um presidente estadunidense teve uma recepção tão espalhafatosa”.
Camaradas:
Esta modesta reflexão é para muito além das eleições deste domingo.
O PCB declarou que respeita a esquerda que votará em Dilma criticamente, como um mal menor, e que quer unidade de ação nas cada vez mais acirradas lutas que travaremos com o aprofundamento da crise do capitalismo, independente de quem ganhe o segundo turno.
Isto significa o reconhecermos de que há algumas diferenças entre os dois campos da bipolaridade da ordem (os neoliberais e os social-liberais), mas que não são suficientes para o PCB, pela terceira vez, dar um voto de confiança, em segundo turno, a governos que em verdade não são propriamente do PT, mas de uma base de sustentação em que prevalecem os interesses do capital.
Quero chamar a atenção para a necessidade de contribuirmos para a constituição de uma frente anticapitalista e anti-imperialista e de enterrarmos as ilusões em relação Í  democracia burguesa.
24 Outubro 2014

*Secretário Geral do PCB

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