Padura em Buenos Aires

Atilio Borón    08.May.14    Outros autores

Atilio A. Boron«¿Como é possÍ­vel que os fracassos ou distorções da revolução, que segundo Padura provocam “a nostalgia, o desencanto, as esperanças perdidas” de uma sociedade possam ser apontadas sem que uma palavra seja dita sobre o imperialismo norte-americano e o seu criminoso bloqueio de 55 anos a Cuba?»

Tenho um grande respeito por Leonardo Padura, que tem escrito alguns textos notáveis (e polémicos) como “El hombre que amaba a los perros.” Apresentará nos próximos dias na Feira do Livro de Buenos Aires a sua mais recente obra: “El viaje más largo”, uma crónica sobre a Cuba dos anos oitenta e noventa do século passado. Hoje, domingo 4 de Maio, o diário La Nación de Buenos Aires publica uma longa entrevista com este autor, na qual formula um balanço muito negativo sobre a Revolução Cubana. Obviamente, qualquer processo histórico tem acertos e erros, sucessos e fracassos. O problema com Padura é que os primeiros não aparecem no seu diagnóstico sobre aqueles anos, durÍ­ssimos sem dúvida, do “perÍ­odo especial”. ¿Mas será que não houve nenhum sucesso na Cuba revolucionaria, será que tudo esteve mal? ¿É possÍ­vel esquecer-se conquistas históricas tais como a alfabetização universal e a enorme expansão do sistema educacional, os avanços em matéria de saúde, a taxa de mortalidade infantil mais reduzida das Américas, o acesso universal Í  cultura em todas as suas expressões, a segurança social, o internacionalismo como expressão da solidariedade Í  escala mundial, para não citar senão os mais evidentes?

Poderia dizer-se que estes sucessos já não bastam mas, ¿como é possÍ­vel que os fracassos ou distorções da revolução, que segundo Padura provocam “a nostalgia, o desencanto, as esperanças perdidas” de uma sociedade possam ser apontados sem que uma palavra seja dita sobre o imperialismo norte-americano e o seu criminoso bloqueio de 55 anos a Cuba? Sem essa imprescindÍ­vel referencia qualquer crÍ­tica a um processo polÍ­tico concreto desliza para o terreno da denúncia abstracta e, portanto, insanavelmente equivocada em resultado do seu mÍ­ope unilateralismo. Assim a Revolução teria fracassado pela inaptidão dos seus dirigentes, Allende teria sido derrubado devido aos erros da sua polÍ­tica económica, Arbenz pela sua imprudência em pretender atacar o saque que a United Fruit perpetrava, Juan Bosch teria sisd deposto pela sua obstinada intransigência face ao império, a Revolução Bolivariana está ameaçada devido Í  sua incompetência e assim sucessivamente. Desaparecem o processo histórico e o contexto internacional no qual este se desenvolve e que, no caso de Cuba, revela a antiquÍ­ssima obsessão norte-americana por se apoderar da Ilha; esfuma-se a luta de classes no plano internacional e o destacado papel que coube a Cuba desempenhar para, por exemplo, tornar possÍ­vel a derrota do apartheid na ́frica do Sul e dos imperialistas em Angola; e faz-se caso omisso do facto de que a maior potência económica e militar da história se tem obstinado, até ao dia de hoje e com todas as suas forças, em fustigar e sabotar a Revolução Cubana.
Evidentemente que não se pode nem se deve ignorar os factores endógenos causantes - em parte e só em parte - dos problemas denunciados por Padura. Mas um diagnóstico rigoroso deve recriar, no plano da análise, a totalidade do momento histórico onde os factores internos e externos se encontram dialecticamente entrelaçados. Na ausência de uma adequada contextualização o inventário dos erros e das insuficiências da Revolução é incompreensÍ­vel, uma balbúrdia infernal. Creio, modestamente, que quem não esteja disposto a falar do imperialismo norte-americano deveria remeter-se a um prudente silêncio na hora de emitir opinião sobre a realidade cubana.

Fonte: Rebelión
Rebelión publicou este artigo com autorização do autor mediante uma licença de Creative Commons, respeitando a sua liberdade para o publicar em outras fontes.

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