Entrevista com James Petras

Com a derrocada do PT surgem os golpistas e a direita

“O que se passa no Brasil é a desintegração da polÍ­tica de centro imposta por Lula. Tanto ele como Dilma se aproveitaram do boom das comodities e das exportações de matérias-primas para financiar toda uma série de actividades, lÍ­citas e ilÍ­citas, de consumo, de expansão, de crédito, mas não pensaram como sustentar essa polÍ­tica. Na altura em que a crise os golpeia não têm qualquer alternativa económica: a indústria está debilitada, os projectos económicos estão atolados em corrupção, o PT estavaÂ…, como podemos dizê-loÂ… O PT era um partido de corruptos e continua a sê-lo…”

Efrain Chury Iribarne (ECI): Apesar da crise estás bemÂ…
James Petras (JP):
Bom, a crise é muito relativa. Os que têm trabalho e estão bem pagos não acreditam na crise. Os que não têm trabalho ou têm um trabalho precário estão muito incomodados e inseguros.

Tudo passa pelo trabalho. Quem se sente bem é porque tem um trabalho seguro e bem pago e pode cumprir com o pagamento das dÍ­vidas. Os que não têm dinheiro ou têm um mau emprego, que são 35%, estão extremamente preocupados e vivem numa crise que piora semanalmente.

ECI: Essa é a realidade dominante aÍ­?
JP:
Sim, aqui [N. do T.: EUA] é como vivemos. Tudo está dividido pela economia, pela classe, pelo trabalho e pelas possibilidades que cada um tem de caminhar.

ECI: Falemos da SÍ­ria, onde a situação piora com a participação da Turquia. O que acontece agora ali?
JP:
A Turquia tem um papel nefasto desde que começou o levantamento. A Turquia está intimamente ligada aos grupos terroristas, tendo começado pela canalização de activistas armados a partir do seu território, pelo treino, pelo envio de armas e o apoio a todos os sectores que lutam contra o presidente sÍ­rio, Basher Al Assad. Creio que nesta guerra não se pode subestimar a importância da Turquia.

Em segundo lugar, os turcos puseram de lado o acordo com o curdos e estão a atacar precisamente o principal inimigo dos terroristas, que são precisamente os curdos. Com estes ataques estão a fortalecer os grupos terroristas na SÍ­ria e no Iraque.

Em terceiro lugar, podemos dizer que a Turquia tem uma aliança muito profunda com a OTAN e está a disponibilizar as bases militares turcas, como ponta de lança da força aérea da OTAN, contra a SÍ­ria e contra qualquer grupo que se oponha Í s propostas daquela organização.

Por outras palavras, se formarmos um triângulo com os factores que têm influência na SÍ­ria, temos: a OTAN que está a dar apoio logÍ­stico, polÍ­tico e financeiro aos terroristas; noutro vértice estão a Turquia e a Arábia Saudita e Israel está no outro vértice a fortalecer as agressões contra a SÍ­ria pelo sul, a Turquia a norte e a Arábia Saudita por todo o lado recrutando e financiando terroristas.

Estes são os factores envolvidos no que a imprensa chama «os rebeldes contra o governo de Assad», que não são rebeldes mas agressores, e têm uma trajectória nefasta. Se calcularmos, por exemplo na Turquia, a repressão já fez quarenta mil mortos, e entre as vÍ­timas há muitos civis curdos. Se olharmos para Israel vemos uma grande câmara de tortura para os palestinos. E da Arábia Saudita nem é preciso falar – uma monarquia absolutista com grande concentração de riquezas.

Tudo o que podemos classificar como o caixote do lixo do Médio Oriente está envolvido no conflito na SÍ­ria.

O governo sÍ­rio ofereceu depois algumas cedências na negociação um acordo. Um acordo que inclui o governo, disposto a dividir o poder com os opositores e a formar um governo de coligação. Mas todas as ofertas da SÍ­ria com a mediação da Rússia fracassaram, porque os terroristas e os seus patrões estão apostados em tomar o poder, o que se tem revelado impossÍ­vel. Se olharmos os interventores, a Arábia Saudita tem os seus próprios satélites, a Turquia também tem os seus, pelo que a SÍ­ria vai terminar como um paÍ­s falido, fraccionado, tal como aconteceu com a LÍ­bia. Essa é a grande tragédia: não há alternativa ao governo de Basser Al Assad. Os que estão a lutar contra o governo sÍ­rio vão acabar por se matarem uns aos outros.

Por isso, a única solução seria um acordo negociado que incluÍ­sse o actual governo.

ECI: É muito difÍ­cil chegar a um acordo que traga a paz quando o império está aliado a Israel e Í  Arábia SauditaÂ…
JP:
Sim, porque são todos extremistas.

Israel é um Estado racista que procura criar um Estado judeu puro. Inclusive, tem pressupostos cientÍ­ficos que procuram determinar quem é e quem não é judeu, para fazerem uma purificação, incluso, excluir de judeus os que são africanos, iemenitas, etc., porque não têm os genes adequados. É surrealista o que se passa em Israel, uma sociedade supostamente moderna, que todavia tem uma polÍ­tica racista que procura impor uma colónia judia no Médio Oriente, ou pelo menos manter a sua dominação.

A Arábia Saudita não tem qualquer identificação com o mundo árabe, está ali pelo petróleo, pelas grandes petrolÍ­feras, pelo imperialismo, são defensores fanáticos das suas riquezas que só estendem Í  famÍ­lia e Í s forças armadas.

Israel e Arábia Saudita têm tipos de governo que devem ser classificados como de extrema-direita, monarquia absolutista e governo colonialista e racista. E os Estados Unidos envolvem-se com estes grupos porque são os únicos que estão dispostos a prestarem-lhe colaboração plena, um pelo capital que tem do dinheiro do petróleo e o outro pelas bombas nucleares e os mÍ­sseis. Então, não se pode negociar com estas forças. Como se pode negociar com um paÍ­s que é uma monarquia absolutista? Como se pode negociar com um paÍ­s que quer projectar o colonialismo no século XXI? É impossÍ­vel.

Israel não se consegue entender com os palestinos que vivem nos territórios ocupados; a Arábia Saudita está a deitar bombas sobre o Iémen, destruindo cidades, hospitais, escolas, etc. É como extremistas que devemos classifica-los. É como na Europa, onde não se pode negociar com os fascistas, apenas se tem que manter a guarda, uma contra-força, fortalecer a capacidade de defesa e impor restricções Í  circulação de forças que recebem apoios destes governos.

Julgo que o Hezbollah do LÍ­bano derrotou os israelenses pela força e pôde defender-se porque tem capacidade de atingir cidades israelenses. O Irão ainda não foi atacado porque tem os seus mÍ­sseis próprios, capazes de alcançar Telavive. Isso Israel entende, só entende pela força, pela capacidade de os governos se defenderem, e não fazerem-lhe concessões para eles as aproveitarem e depois os agredirem. Perante isto, creio que só os governos mais comprometidos nacional, popular e militarmente podem sobreviver no Médio Oriente.

ECI: Mas na Europa não predomina o fascismo ou o neofascismo?
JP:
Bom, podemos dizer que são governos cada vez mais militaristas que, por vontade própria, colaboram com as agressões dos EUA em várias regiões do mundo.

Agora, alguns têm representantes mais Í  direita que outros, mas não há nenhum que continue a defender o Estado de Bem-estar, todos são neoliberais, todos apoiam as agressões contra a Rússia, a SÍ­ria ou aos paÍ­ses islâmicos.

Nesse sentido há uma reconfiguração da direita na Europa que inclui François Hollande e os social-democratas dos paÍ­ses do norte europeu, os paÍ­ses nórdicos; Não há, como podemos dizê-lo, não há um centro-esquerda que procure soluções pacÍ­ficas, negociações. Isso acabou com Olof Palme nos anos 70 na Suécia e com alguns governantes na Europa Ocidental.

Actualmente pode dizer-se que a Europa segue os EUA, não pela sua força mas por partilharem a ideologia, os interesses imperiais.

Mas devemos reconhecer que a Europa continua numa crise económica profunda, onde o desemprego está nos dois dÍ­gitos; onde podemos ver a França, a Itália com crescimento negativo; a Espanha, a Grécia e Portugal são hoje semi-colónias dos poderes ocidentais; decidiram sanções contra a Rússia mas não as podem manter porque as débeis economias procuram novos mercados e não os conseguem.

Pode dizer-se que a Europa está em decadência, mas é perigosa, como um velho tigre ferido, que é mais cruel que nunca.

ECI: Que leitura fazes desvalorização do yuan feita pela China?
JP:
A China procura recuperar um ritmo de maior crescimento, quer defender a partilha do mercado mundial. A China procura formas de mobilizar as poupanças e, ao mesmo tempo, procura financiar o seu próprio desenvolvimento interno. As desvalorizações têm um sentido duplo: por um lado estão a liberalizar o mercado de divisas, por outro estão a intervir para fomentar o desenvolvimento das exportações. Não é necessariamente progressista porque as desvalorizações reflectem a oferta e a procura da moeda chinesa no mercado.

Agora a China não está a sofrer uma crise, apesar do que diz a imprensa financeira. Este ano a China vai crescer 7%, que é quatro vezes mais que a Europa e três vezes mais que os EUA. Se a China está em crise a Europa é uma catástrofe.

Pode dizer-se que há uma desaceleração na China, as contradições internas entre o capital e o trabalho continuam a aprofundar-se, mas isso não tem que ver com o crescimento em si, mas com a divisão das receitas chinesas. As prioridades sociais são o que está a afectar a China e está afectar a luta de classes.

Mas o capitalismo no sentido ocidental está preocupado porque dentro da diminuição do mercado mundial cada vez se sente mais a concorrência da China, e procuram alguma forma de limitar o crescimento chinês. A concorrência é cada vez mais feroz, mais militarizada, como forma de limitar o crescimento da China. Esse é o perigo para Washington e os seus aliados Japão, Austrália, etc., daÍ­ procurarem uma qualquer forma de limitar o crescimento chinês, numa altura em que a China fomenta e alarga as suas alianças com a Rússia e outros paÍ­ses asiáticos. Esse é, quanto Í  polÍ­tica militar, o perigo que Washington tem na cabeça.

O grande perigo com a China não é a sua moeda nem muito menos o seu crescimento económico, o que aqui está em jogo é confronto cada vez mais militarizado entre os EUA e os seus aliados para limitarem China, é como tratam de provocar uma confrontação que poderá precipitar algum conflito militar.

ECI: Vamos até ao Brasil onde Dilma Rousseff é cada vez mais rejeitada pela cidadania.
JP:
O que se passa no Brasil é a desintegração da polÍ­tica de centro imposta por Lula. Tanto ele como Dilma se aproveitaram do boom das comodities e das exportações de matérias-primas para financiar toda uma série de actividades, lÍ­citas e ilÍ­citas, de consumo, de expansão, de crédito, mas não pensaram como sustentar essa polÍ­tica. Na altura em que a crise os golpeia não têm qualquer alternativa económica: a indústria está debilitada, os projectos económicos estão atolados em corrupção, o PT estavaÂ…, como podemos dizê-loÂ… O PT era um partido de corruptos e continua a sê-lo. Há uma ala esquerda que aparentemente continua a criticar, a dizer slogans de esquerda, mas estão todos envolvidos na teia. E agora a direita levanta a cabeça, e não só a direita polÍ­tica, também as massas da classe média – ontem centenas de milhares – saem Í s ruas ligando a corrupção, a estagnação económica, as reivindicações sociais com tudo o que de mal fizeram os governos do PT.

O problema foi que nos anos de prosperidade, o PT marginalizou e atacou os partidos de esquerda. O Partido Comunista é um exemplo, há um Partido Comunista [N. do T.: PC do B] aliado com o PT no governo e um outro Partido Comunista [N. do T.: PCB, o Partido de Carlos Prestes] na oposição mas com pouco peso, o PSOL [N. do T.: partido reformista] e o PSTU, todos com pouco eleitorado que não oferecem, por enquanto, qualquer alternativa face Í  subida da direita.

E dentro da direita há ainda a direita mais golpista.

Então, com o afundamento do PT saem do passado os pró-golpistas, os de direita, os neoliberais, todos eles a cavar no terreno do PT. Essa é a colheita do oportunismo, do neoliberalismo e das polÍ­ticas paternalistas de Lula. Ninguém aparece a apoiar o governo, as sondagens dizem que Dilma tem o apoio de 8% do eleitorado.

Como disse na passada semana, não acredito que Dilma termine este ano, depois de uma investigação profunda ao PT. Os que pensam que a partir do neoliberalismo se pode avançar para o socialismo estão enganados. Creio que o PT é um tema ultrapassado, tem um presente degradado e não tem futuro. Há que pensar noutra coisa para os próximos dez anos no Brasil.

ECI: Restam-nos poucos minutos para comentares outros temas que entendas serem de interesse.
JP:
Vou falar apenas de dois temas.

O primeiro tem a ver com o México, onde os governos mexicanos, o actual e o anterior, em colaboração com os narcotraficantes assassinaram mais de cem mil pessoas nos últimos dez anos. E nesse mesmo perÍ­odo mataram mais de cem jornalistas.

É a capital mundial do assassÍ­nio polÍ­tico. E ninguém fala disso, fala-se dos mortos da SÍ­ria, dos mortos da LÍ­bia, mas é o México que encabeça a lista. Todos os dias são encontrados cadáveres de vÍ­timas civis, todos os dias vemos no jornal como o governo que está a militarizar Oaxaca, como não soluciona nenhum assassÍ­nio. Ultimamente foi assassinado um fotojornalista – Ruben Espinosa – e quatro mulheres que estavam em tertúlia com ele, a quatro quarteirões da Casa Presidencial.

A verdade é que os meios de comunicação não falam do México como o centro mundial do assassino polÍ­tico, porque o governo do México está a entregar as joias da Economia, como a Pemex, Í s grandes petrolÍ­feras multinacionais. Por isso não falam do México como um dos lugares mais perigosos para qualquer crÍ­tico das polÍ­ticas do narco-capitalismo.

Podemos mesmo dizer que o principal assessor do governo mexicano, o principal apoio e beneficiário da sua polÍ­tica neoliberal são os EUA. E não se pode falar de nada mais para além da colaboração e das boas relações entre os assassinos do México e os assassinos de Washington.

Por fim quero falar de outra coisa, que é o que se está a passar no Equador, uma tragédia.

Há um levantamento, protestos, marchas, por parte de grupos de indÍ­genas e de alguns sectores sindicais contra o governo de Rafael Correa que, por sua vez, conta com o apoio de grandes sectores populares, indÍ­genas e sindicatos.

Este conflito só vai beneficiar a direita oligárquica.

Apesar do vulcão que está a criar situações de emergência, os grevistas continuam a protestar, apesar da emergência. Parece-me haver uma situação estranha porque supostamente a esquerda, os sectores indÍ­genas não podem dialogar e chegar a um compromisso que canalize a sua oposição contra a direita, que vai ser a principal beneficiada se Rafael Correa cair.

E Rafael Correa não é o pior Presidente do Equador, fez muitas coisas boas no aspecto social, em infraestruturas, investimentos em Educação, cancelamento da dÍ­vida; também fez coisas que se devem criticar como as petrolÍ­feras e a invasão dos territórios indÍ­genas. Mas tudo tem de ser visto em proporção de quem é o principal inimigo. Parece-me que a falta de proporcionalidade pode provocar o regresso da direita corrupta que dominou a polÍ­tica equatoriana por décadas.

* Jornalista e radialista de Rádio Centenário, Montevideu, Uruguai

Este texto foi publicado em: http://www.ivoox.com/columna-james-petras-cx36-audios-mp3_rf_6963346_1.html

Tradução de José Paulo Gascão

Gostaste do que leste?

Divulga o endereço deste texto e o de odiario.info entre os teus amigos e conhecidos