Ainda os refugiados*

Jorge Cadima    11.Sep.15    Outros autores

Jorge CadimaSe há hoje mais refugiados do que em qualquer outro momento desde a II Guerra Mundial (como afirma a ONU), tal deve-se ao facto de que todos os anos cresce a lista dos paÍ­ses destruÍ­dos pelas polÍ­ticas de guerra e rapina dos EUA, da NATO e das potências da União Europeia. E esses pirómanos não descansam.

A crise dos refugiados, de que tanto se tem falado, não começou agora. A novidade que acordou a comunicação social está apenas no facto de essa crise ter chegado Í  Europa. Para os paÍ­ses devastados pelas guerras imperialistas, e para os seus paÍ­ses limÍ­trofes, a crise existe há já muitos anos. Se há hoje mais refugiados do que em qualquer outro momento desde a II Guerra Mundial (como afirma a ONU), tal deve-se ao facto de que todos os anos cresce a lista dos paÍ­ses destruÍ­dos pelas polÍ­ticas de guerra e rapina dos EUA, da NATO e das potências da União Europeia.

Segundo o Anuário EstatÍ­stico de 2010 da agência da ONU para os refugiados (não palestinos) UNHCR, havia no final desse ano cerca de 34 milhões de refugiados e deslocados (fora ou dentro dos paÍ­ses de origem). Dos cerca de 10,5 milhões de refugiados externos, 80% eram acolhidos por paÍ­ses em vias de desenvolvimento e a comunicação social dominante pouco se preocupava com a tragédia. Os dois principais paÍ­ses de origem dos refugiados eram o Afeganistão, vÍ­tima da invasão dos EUA em 2001, com três milhões de refugiados no exterior, e o Iraque, vÍ­tima em 2003 da guerra de Bush, Blair e Durão Barroso (cujo apoio Í  guerra lhe terá valido o seu posterior tacho Í  frente da União Europeia), com 1,7 milhões. Naquela altura, a SÍ­ria era o terceiro maior paÍ­s de acolhimento, depois do Paquistão e do Irão, dando abrigo a mais de um milhão de refugiados. A LÍ­bia, o paÍ­s que segundo os relatórios do Programa da ONU para o Desenvolvimento (UNDP) tinha em 2010 o maior ͍ndice de Desenvolvimento Humano de ́frica, acolhia então milhares de trabalhadores africanos na sua economia. SÍ­ria e LÍ­bia foram entretanto destruÍ­das pelas guerras NATO/EUA/UE. A LÍ­bia tornou-se na maior porta de acesso de refugiados africanos para a Europa, atravessando o Mediterrâneo onde frequentemente encontram a morte. E a SÍ­ria, reduzida a escombros pelos bandos ao serviço dos autoproclamados «amigos da SÍ­ria» tornou-se, segundo o Anuário EstatÍ­stico de 2013 da UNHCR, o segundo maior paÍ­s de origem de refugiados, com valores muito próximos do Afeganistão, ambos com 2,5 milhões. Nesse ano, continuavam a ser os paÍ­ses em vias de desenvolvimento a acolher a grande maioria dos refugiados: 86% do total, segundo a UNHCR. E a comunicação social “ocidental” continuava calada.

Hoje fala-se muito do drama dos refugiados sÍ­rios que chegam Í  Europa. Mas quem decidiu intervir militarmente na SÍ­ria? Não se pode esquecer tÍ­tulos como: «Um exército insurgente que alega ter 15 000 homens está a ser coordenado a partir da Turquia [paÍ­s da NATO] para enfrentar o presidente Assad» (Telegraph, 3.11.11); «A CIA acusada de auxiliar no envio de armas para a oposição sÍ­ria» (New York Times, 21.6.12); «Navio espião alemão auxilia os rebeldes sÍ­rios» (Deutsche Welle, 20.8.12); ou «Estados do Golfo pagam os salários do Exército SÍ­rio Livre» (ABCnews, 1.4.12). E há que estar atentos ao que se pode esconder por detrás do súbito interesse da comunicação social pelo tema dos refugiados. O primeiro-ministro inglês Cameron quer «uma intervenção militar para resolver a crise sÍ­ria» e um ex-Arcebispo de Cantuária (chefe espiritual da Igreja de Estado em Inglaterra) defende «ataques aéreos e outro tipo de assistência militar para criar enclaves seguros e pontos de abrigo na SÍ­ria» (Telegraph, 5.9.15). Ou seja, querem mais guerra para lidar com os estragos provocados pelas suas guerras (ou pelo menos para os manter afastados das terras de Sua Majestade). E um dos maiores patrocinadores dos bandos fundamentalistas que destroem a SÍ­ria, o Rei Salman da Arábia Saudita, encontrou-se na semana passada com o Nobel da Paz Obama, para ouvir que «o Pentágono está a ultimar um acordo armamentista no valor de mil milhões de dólares com a Arábia Saudita, para lhe fornecer armas para o seu esforço de guerra contra [???] o Estado Islâmico e o Iémen» (New York Times, 4.9.15). Os pirómanos não descansam.

*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2180, 10.09.2015

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