Mercenários voltam ao Congo
Um dos maiores e dos mais ricos paÍses de Ífrica, a República do Congo é também, por isso mesmo e desde a sua independência em 1960, um dos que o imperialismo norte-americano e europeu mais têm desestabilizado e saqueado.
Há novos episódios de ingerência dos Estados Unidos e da Bélgica nos assuntos internos da República Democrática do Congo (RDC). O governo deste paÍs rejeita as interferências e pressões, alertando para a presença de mercenários estrangeiros no seu território.
O ministro congolês da Justiça, Alexis Thambwe Mwamba, pediu Í embaixada norte-americana em Kinshasa para «não substituir-se aos tribunais» e não interferir no processo de recrutamento de mercenários estrangeiros, nomeadamente americanos, na antiga provÍncia do Katanga, no Sul do paÍs.
No centro do caso está a detenção, pelos serviços de segurança congoleses, de um cidadão estado-unidense, Darryl Lewis, preso a 24 de Abril, com mais três guarda-costas, durante um comÍcio de partidários de Moïse Katumbi, candidato oposicionista Í s eleições presidenciais previstas para Novembro deste ano. A manifestação, em Lubumbashi, capital catanguesa, foi dispersada pela polÍcia com recurso a granadas de gás lacrimogénio.
Para as autoridades judiciais congolesas, o referido cidadão norte-americano faz parte duma «rede com ligações a uma sociedade baseada na VirgÍnia, nos Estados Unidos, que assegura o recrutamento de mercenários especializados na formação, incluindo o manejamento de armas, de agentes de segurança e guarda-costas». Mais: Lewis obteve o visto de entrada na RDC declarando-se «experto agrÍcola» e já teria reconhecido, após a sua detenção, ter feito falsas declarações e ser na verdade um perito em armamento e questões de segurança. Haveria entre 400 e 600 mercenários, americanos e sul-africanos, a trabalhar para Katumbi, no Katanga.
Segundo a embaixada dos EUA em Kinshasa, que se mostra «profundamente preocupada» com o assunto, o seu compatriota não estava armado quando foi detido e as alegações de que estaria implicado em actividades mercenárias são falsas. Apenas «trabalha numa empresa privada americana que fornece serviços de consultoria a clientes em todo o mundo». E seria como «consultor de segurança» que se encontrava a trabalhar na equipa de Moïse Katumbi.
Este rico homem de negócios, de 51 anos, presidente do popular clube de futebol TP Mazembe e ex-governador do Katanga, até há poucos meses aliado do presidente Joseph Kabila, decidiu em finais de 2015 romper com o partido no poder e anunciar a sua candidatura Í chefia do Estado.
Em relação Í acusação de recrutamento de mercenários estrangeiros, já foi ouvido pelas autoridades judiciais, fala em «manobras polÍticas» e, Í cautela, pediu Í Monusco, a missão das Nações Unidas na RDC, que assegure a sua protecção, ao mesmo tempo que sugeriu um inquérito internacional sobre o caso.
Por outro lado, sabe-se que o ministro belga dos Negócios Estrangeiros, Didier Reynders, telefonou esta semana ao primeiro-ministro congolês, Augustin Matata Ponyo, manifestando a sua «preocupação» com a segurança de Katumbi, que terá também solicitado «protecção» Í Bélgica.
No Congo, antiga colónia daquele paÍs, vivem alguns milhares de expatriados belgas, que se dedicam a negócios vários, sobretudo em Kinshasa e Lubumbashi.
Em defesa de Katumbi saiu ainda a Human Rights Watch, uma organização não-governamental com sede em Nova Iorque, «especializada» na denúncia da violação dos direitos humanos – em outros paÍses e em geral de acordo com os interesses ocidentais. A HRW iliba o ex-governador catanguês e denuncia «manobras de intimidação face a um candidato Í presidência».
Motivos de apreensões
na pátria de Lumumba
Este caso de recrutamento de mercenários tem ingredientes para causar apreensões aos congoleses e seus amigos.
A República Democrática do Congo, um dos maiores paÍses africanos, com enormes riquezas naturais, tem um historial de intervenções estrangeiras, assassinatos de dirigentes, golpes de Estado, regimes autoritários e conflitos armados.
Independente em 1960, o Congo assistiu meses depois Í secessão da rica região do Katanga, liderada por Tshombé e apoiada pelo colonialismo belga, mais tarde esmagada, e, no inÍcio de 1961, ao sequestro e assassinato, por agentes do imperialismo norte-americano, do primeiro-ministro Patrice Lumumba, lÍder polÍtico progressista e hoje herói da sua pátria e de toda a Ífrica.
Entre 1965 e 1997, rebaptizado Zaire, o Congo viveu a ditadura pró-ocidental de Mobutu. Foi derrubado por Laurent-Desiré Kabila, que governou a RDC até 2001, altura em que foi assassinado por um guarda-costas e substituÍdo pelo filho, Joseph Kabila, o actual presidente, legitimado depois em eleições.
* Jornalista.
Este texto foi publicado no Avante nº 2.215 de 12 de maio de 2016.
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