Para uma melhor compreensão do problema sÍ­rio*

José Manuel Jara    23.Oct.16    Outros autores

Está em curso uma gigantesca campanha de manipulação mediática em torno das operações de reconquista da cidade de Alepo pelo exército sÍ­rio. Entretanto, para quem queira ver o que está detrás da gritaria sobre “crimes de guerra”, “hecatombe” e o resto, a questão nada tem de “humanitária”. Do que se trata é, simplesmente, de preparar a opinião pública para uma intervenção ocidental em defesa dos fanáticos terroristas da Al-Nusra, agora transformados em “rebeldes moderados”.

O que está em causa em Alepo é uma parte da cidade, a zona Leste, não a cidade no seu todo, 1 milhão e duzentos mil habitantes na zona governada pelo regime sÍ­rio para cerca de 250 mil controlados pelos “rebeldes”. Essa parte é controlada por milÍ­cias em que a força dominante e predominante é a AL-NUSRA, agora autodesignada Fateh el Sham, pertencente Í  Al-Qaeda até há dias. A das Torres Gémeas! Designa-se Frente para a Reconquista da SÍ­ria… É o jihadismo mais fanático, cujo financiamento deve ter os seus canais assegurados pelos regimes feudais da Arábia e do Golfo (de que “ninguém” das agências ousa beliscar quanto a direitos humanos e não se ouve personalizar um “ditador” feudal sequer dos que por lá regem o poder; é o poder financeiro de alto calibre e portanto intocável!). Todos vemos que muitos dos jihadistas vieram de paÍ­ses da Europa e de outras paragens para derrubar o presidente sÍ­rio e implantar um “estado Islâmico” na SÍ­ria, talvez segundo o modelo saudita, quem sabe. Esses mesmos convertidos e fanáticos que atravessaram a Europa passaram pela Turquia e alinharam com os rebeldes autóctones no combate ao regime sÍ­rio. Alguém acredita que são pessoas que podem fazer na SÍ­ria uma democracia? E é legÍ­tima essa invasão de jihadistas para o “regime change” das potências ocidentais, que já gerou tantas desgraças e misérias no Iraque, na LÍ­bia, no Afeganistão, etc. E Í  luz do direito internacional é legÍ­tima a interferência dos paÍ­ses ocidentais num paÍ­s que não os agrediu? Os rebeldes são armados por quem? E combatem para quê? A guerra civil desencadeada serviu para algo mais do que para destruir e matar? Balanço? O governo sÍ­rio deveria poupar os “rebeldes” “moderados” de armas na mão e os terroristas de mãos nas armas? Para se deixar derrotar? Para o caos, a somalização? Vejam o programa “Going Underground” de 15 de Outubro, na Russian Television, pois pode-se ouvir o último embaixador britânico na SÍ­ria para se aperceber do que por lá vai. A guerra de fora, financiada, alimentada, promovida numa aliança tácita do fanatismo jihadista e do intervencionismo ocidental, é um desastre que desgraçou o povo sÍ­rio e transtornou a Europa. Para quê? Quanto aos rebeldes implantados em Alepo Leste pensem nesta ideia muito clara: Não serão eles que têm a população refém?

Não foi o representante da ONU para a SÍ­ria, S. Mistura, que disse que os mil “rebeldes” têm cativa a população na cidade; e que lhes assegurava a retirada de Alepo para deixarem em paz a população? Será que o governo sÍ­rio está impedido de ganhar a guerra por imposição da coligação ocidental/Arábia Saudita? Porquê? Para implantar um não-regime do tipo da LÍ­bia? Ou um regime do tipo Qatar? Ou da Arábia Saudita? Diz-me com quem andas… Será possÍ­vel que sejam recomendáveis rebeldes que estão aliados ou do mesmo lado contra o regime sÍ­rio com o DAESH e a AL-Qaeda? E, nesse caso, qual a consistência da apregoada luta contra o terrorismo pelas potências ocidentais? Sem perspectiva histórica, numa manipulação noticiosa casuÍ­stica, a verdade é engolida e o leitor fica Í  nora, ou, pior, é enganado. Os rebeldes não se poderão render? Se são moderados, não deveriam libertar a população civil? Uma guerra não pode acabar? Ou esperam a intervenção da NATO para os fazer ganhar a contenda? A SÍ­ria é um paÍ­s com um governo que está representado na ONU. É aceitável que se feche militarmente o espaço aéreo de um paÍ­s soberano por diktat do Conselho de Segurança, como se fez na LÍ­bia? E o brilhante resultado da intervenção da NATO nesse paÍ­s não deve ser reflectido? O que pretendeu o representante da França no Conselho de Segurança? Rememorar o seu colonialismo argelino e a sua mortÍ­fera guerra colonial, ou o seu protectorado da SÍ­ria na época colonial? Os rebeldes entrincheirados em Alepo Leste não fazem de civis os seus escudos? Quantas vÍ­timas inocentes na invasão do Iraque, na ocupação do Afeganistão, nos bombardeamentos da LÍ­bia, nos ataques aéreos ao Iémen pela coligação saudita? Crimes de guerra? Pergunte aos “Médecins Sans Frontiéres” em Kandahar e no Iémen. As acusações ao exército sÍ­rio e Í s forças russas de “crimes de guerra” são pura propaganda no contexto que se sabe. Não foi a intervenção russa há pouco mais de um ano que tornou óbvia a prevalência do ISIS na luta contra Assad? Quem reconquistou Palmira e porque é que os órgãos ocidentais abafaram o significado dessa vitória contra o terrorismo? Num sentido humano geral a guerra é sempre crime. Do risco para a humanidade resultante do reacender da guerra fria, haja sangue frio para apurar quem atiça o fogo. Numa atitude imparcial, está Í  vista quem.

*Este texto foi publicado como Editorial do Novo Jornal, de Angola, em 21.10.2016

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