«Perante o referendo na Catalunha, não vamos beber nas fontes da legalidade, mas sim nas da legitimidade»

Os Editores    25.Sep.16    Outros autores

Nines Maestro:

«Perante o referendo na Catalunha, não vamos beber nas fontes da legalidade, mas sim nas da legitimidade»
Red Roja

Nines, nos últimos anos vivemos uma crise gravÍ­ssima. A esta junta-se a desestabilização pelo processo soberanista na Catalunha. Perante isso como situa a Red Roja esse quadro, que nos podes dizer a esse respeito?

De antemão, temos que dizer que para a Red Roja há aqui uma questão de princÍ­pios no Estado espanhol, incluindo um tipo de identidade da nossa organização desde sempre, mesmo antes de existirmos como tal, como quando nos unimos na Candidatura Iniciativa Internacionalista. É a seguinte: defesa incondicional do direito de autodeterminação. Mesmo que o dirija a burguesia. Um direito que está escamoteado neste Estado desde o inÍ­cio do regime de transição.
Mas não nos detemos neste assunto de princÍ­pios gerais, porque nós temos aliados claros na Catalunha, gente próxima que é da esquerda independentista. E também temos alguns alertas a respeito do desenvolvimento da actual situação.

Qual a tua interpretação do avanço do processo soberanista da Catalunha?

Evidentemente, o processo agudizou-se no contexto de uma crise em que a «questão social» com o seu triste legado de cortes, privatizações e agressões Í  classe trabalhadora, é determinante. Esses elementos sociais criaram descontentamento e aumentaram o alcance da questão nacional.

Mas a partir daÍ­, também se utilizou a questão nacional pelo governo catalão para afastar o foco da sua responsabilidade directa nos enormes cortes realizados. O primeiro governo de Mas queria demonstrar firmeza perante as mobilizações sociais que rodeavam o Parlamento, e para isso contou sempre com o apoio do PP. Depois quando lançou o processo soberanista em aliança com a ERC, não tinha, nem tem, margem para desfazer os cortes respeitando os objectivos do défice. Esse argumento serve-lhe para tentar viciar a reivindicação nacional de conteúdo social, justificando a sua atitude com o objectivo da independência, lançando o falso sonho de que, então, haverá recursos para resolver as necessidades sociais.

A verdade é que a fidelidade Í  UE é para o Juntos pelo SIM um objectivo maior, já que pensam que dele depende o reconhecimento do seu projecto pelas potências imperialistas.

Neste cenário, não podemos esquecer o papel decisivo do governo de Rajoy — como anteriormente do PSOE — nas medidas brutais adoptadas, mas insistimos em que o governo catalão está justamente na mesma linha de imposição de austeridade, linha que na realidade vem de Bruxelas e Berlim. Dito isto, não basta afirmar que todas as burguesias são iguais e desde a Red Roja não pensamos cair neste tipo de posições. A burguesia nacional mais agressiva e que tem maior instrumento de repressão é a do estado espanhol.

A questão nacional passou para primeiro plano ocultando outras questões?

Na Red Roja não nos lamentamos da questão nacional ter passado a primeiro plano, porque — como já disse — no Estado espanhol isto é uma questão de princÍ­pio para nós. Não só defendemos a autodeterminação como pensamos que uma eventual independência debilitaria um Estado e um regime de transição que nós repudiamos de raiz.

Além disso, no cenário existente na Catalunha, a nossa aliada só pode ser a esquerda independentista, Endavant e as CUP. Dito isto, humildemente temos exposto a estas organizações uma série de inquietações e advertências. Consideramos que o nacional, embora seja legÍ­timo que se tenha acentuado tem sido um facto que neste caso não tem contribuÍ­do (e não deveria ter sido assim, podia ter sido de outra forma) para o máximo de unidade de luta no Estado espanhol no marco da crise, contra os inimigos comuns. Recordemos por exemplo, o M22.

Assim, tem havido da parte da burguesia catalã uma instrumentalização do nacional para evitar essa unidade contra uns cortes que nos são impostos por uma construção europeia claramente imperialista, Para cúmulo perante as agitações sociais que estão para vir, é óbvio que a Convergência pode acobardar-se e recuar. Seria então penoso que no final, não apenas o social mas também o nacional saÍ­ssem prejudicados. Seria uma traição… mas nas últimas semanas estamos a assistir a isso. E já avisamos no dia em que Homs declarou que queria um rosto mais amável em Madrid. A proposta de Puigdemont de abrir um processo negociado com o Estado, para além de não constituir nenhuma novidade é um brinde ao sol porque é evidente que não vai acontecer. Tanto o Tribunal Constitucional como o governo da Generalitat temem o confronto e atrasam-no mas não podem evitá-lo. A dúvida legitima é se a burguesia catalã será consequente quanto a exercer o direito Í  autodeterminação ou renunciará no último momento aceitando o seu papel subordinado ao capital espanhol.

Por isso é necessário que as organizações revolucionárias mantenham posições polÍ­ticas independentistas e baseadas na unidade da classe operária e no povo trabalhador, mesmo para defender os direitos democráticos.

Qual a tua opinião sobre as chamadas forças de mudança e a sua aproximação a uma modalidade de referência, ou por outras palavras, «pactuada»?

É óbvia a demagogia que se esconde por detrás. Insistimos que dentro das forças do processo que se está a viver na Catalunha, os nossos aliados mais próximos estão na esquerda independentista.

Colau e outros não são aliados imediatos, mas sim parte do problema, pois estão a fazer uma utilização claramente demagógica da questão nacional. Para negar um direito nacional alude-se a «um referendo pactuado». Pois bem por mais que isso nos possa prejudicar noutros territórios, para nós o direito de autodeterminação não depende obviamente do resto do Estado. Nos momentos decisivos as ambiguidades podem ser letais. Mais ainda quando são calculadas de maneira eleitoral, com a pretensão de cansar, dividir e ir acabando com o problema, que no final acabe por não se colocar a questão da independência. Não podemos esquecer que antes colocavam a autodeterminação dentro do direito a decidir sobre todas as coisas» para a diluir.

Outra maneira de negar o direito de autodeterminação, ou de o utilizar como «pose» é usar invocações esquerdistas de classe operária «internacional» que sabemos que, finalmente, também em nada se concretizarão a favor da classe operária. Só deixam de ser ambÍ­guos para denunciar a esquerda independentista por «pactuar» com a burguesia. Como se a esquerda não defendesse os trabalhadores, tendo mesmo dirigentes «charnegos».

Nós não seremos ambÍ­guos, apoiamos a aspiração da esquerda independentista e não a de Colau. A autodeterminação, a eventual independência tem legitimidade, tem razão polÍ­tica e histórica. E no que toca ao social não nos confundimos com «as forças da mudança», que não têm qualquer pretensão de ir para o socialismo mas que utilizarão demagogicamente o social para negar o nacional primeiro e logo depois, finalmente também o social.

Que futuro espera a esquerda independentista neste processo?

O risco para esquerda independentista é ver-se açudada em meio das duas ambiguidades interessadas. Por um lado a ambiguidade da burguesia catalã, que se viu na Diada (embora essa jornada tenha sido histórica e expressado a vontade legitima de um povo), que nega o social e teme (sem exageros) as CUP. E por outro lado a ambiguidade de Colau, que quer dividir o campo nacional, quando nada faz pelo social já que não se opõe Í  EU e ao euro. Que está na base de todos os cortes.

Este tema é a chave de todos os povos do estado espanhol e de toda a Europa: não traz soberania, nem alternativas polÍ­ticas no seio da EU e do euro. A bandeira de antepor as necessidades sociais, a reversão a mãos públicas das privatizações e a recuperação dos serviços e direitos arrebatados a qualquer objectivo de défice ou de pagamento da dÍ­vida é comum e abre importantes espaços de coincidência. Claro, que esta reivindicação é totalmente ignorada pelos «comuns» tão preocupados — dizem eles — com o social.

Perante tantas ambiguidades, a Red Roja, em apoio aos nossos aliados da esquerda independentista, afirma perante o referendo da Catalunha que não vamos beber a fontes da legalidade mas sim Í s da legitimidade e o povo catalão é soberano para conquistar a sua independência (seja legal ou não segundo a legalidade do regime de transição que recusamos, como herdeiro do fascismo). Assim desejamos muita força aos companheiros e companheiras da esquerda independentista neste processo.

Dois assuntos essenciais para concluir.

O primeiro é que, dito com toda a modéstia e de posições comunistas, consideramos que especialmente na Catalunha é preciso intensificar o trabalho para fortalecer a unidade de classe, para além da procedência nacional e especialmente com a classe operária imigrante) de forma a impedir que posições de extrema-direita se unam e enfrentem outros sectores de classe.

O segundo refere-se a que, como vimos insistindo, é preciso encontrar formas eficazes de luta comum entre os povos do estado espanhol contra a Monarquia e o regime de 78, o que passa por levantar a voz contra a repressão dos movimentos independentistas na Catalunha, Euskal Herria e Galiza.

Red Roja entende que dessa solidariedade internacionalista e no combate comum contra o regime de 78, a reivindicação da AMNISTIA E A LIBERDADE para todos os presos condenados por lutar pela emancipação da classe operária e pelos direitos nacionais dos povos, adquira plena vigência.

15 de Setembro de 2016

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