Recordar os crimes do Colonialismo na batalha contra o esquecimento

Henri Alleg    27.Oct.06    Colaboradores

Henri AllegEm França foi lançado com grande êxito um livro, «Retour sur la Question», no qual o escritor Henri Alleg , numa extensa entrevista com Gilles Martin retoma grandes temas abordados em «La Question» - uma obra-chave para a compreensão da tortura na Guerra da Argélia .
Os excertos que transcrevemos, seleccionados pelo próprio autor, nosso amigo e colaborador, ajudam a compreender acontecimentos decisivos para a humanidade, hoje quase esquecidos. A batalha contra o esquecimento é uma frente de luta numa sociedade ancorada no dinheiro e no consumo na qual a memória histórica é incómoda.

«A guerra da Argélia terminou há mais de quarenta anos e durante esse longo perÍ­odo as autoridades francesas, civis e militares esforçaram-se, pela censura e pelo silencio organizado, para fazer esquecer os terrÍ­veis crimes cometidos em nome da França contra o povo argelino. Mas eis que, há algum tempo, de repente, volta a falar-se dessa guerra e parece que descobrem bruscamente as suas atrocidades. Isto, coincidindo com casos escandalosos que puseram directamente em causa altas personalidades do exército. Entre outros o caso do general Paul Aussaresses que reivindica, sem vergonha, cinquenta anos após aquilo a que se chamou a Batalha de Argel, as suas proezas de torcionário. E também o de outro oficial superior, o general Murice Schmitt- promovido por François Mitterrand a chefe do Estado Maior do Exercito Francês - acusado publicamente por Louisa Ighilahriz, ex-combatente da FLN, de a ter torturado , responsabilizando-o pelos suplÍ­cios e violações de que foi vitima quando estava nas mãos dos
Pára-quedista e ele era apenas um tenente.
Ressurgindo do passado e iluminando-o brutalmente, esses factos, que para a maioria dos franceses são revelações, impedem ainda que se feche o sangrento dossier, não obstante todos os esforços oficiais para o enterrar.
É necessário, contudo, não esquecer que, embora as autoridades e aqueles que as servem não podem já negar hoje que a tortura não foi uma mancha «acidental» mas quase a regra geral, admitida e mesmo incentivada pelos mais altos responsáveis, continuam, porem, a recusar-se a abordar o fundo do problema, reconhecendo que ele se inseria na lógica do sistema colonial, o qual se apoiava no racismo, na violência e no terror para garantir e perpetuar o seu domÍ­nio. Não é, portanto, surpreendente que os soldados da ocupação retomem Iraque todas as práticas desenvolvidas pelo exército francês na Argélia e inventem outras.
É preciso também lembrar que, finda a guerra da Argélia, oficiais especializados na Informação ( e na tortura) ,enre os quais o general Aussaresses ,foram , de acordo com o governo francês, aos Estados Unidos e a diferentes paÍ­ses da América Latina onde imperavam então ditaduras sanguinárias, para ensinarem aÍ­ os seus «métodos » podia derrotar a «subversão».
Henri Alleg
Não é, portanto, de estranhar que os interrogatórios conduzidos pelos militares US nos presÍ­dios de Abu Ghrabi ou de Guantanamo , tenham trazido Í  memória La Question ,não somente em França mas também entre os norte-americanos cada vez mais numeroso que se insurgem contra a politica de Bush. Foi assim que a Universidade de Nebraska decidiu recentemente reeditar esse livro nos EUA. Simultaneamente, oficiais do Pentágono continuam a chamar a atenção para as preciosas lições eu as suas próprias forças armadas podem tirar da experiência francesa ma Argélia. A Batalha de Argel, o filme de Gillo Pontecorvo que, embora elogiando o combate dos patriotas argeliunois oferece muito espaço Í s «proezas» dos pára-quedistas de Massu fez recentemente a sua reaparição nas academias militares americanas.
Mas, enquanto ontem os responsáveis polÍ­ticos e militares que dirigiam as guerras coloniais tinham a preocupação de se cobrirem hipocritamente de princÍ­pios morais que eles próprios não respeitavam, hoje ouvimos alguns dirigentes (sobretudo nos EUA e em Israel) sugerir abertamente que legislem sobre a tortura. Não para renovar a sua solene condenação e reivindicar meios legais para a sancionar mais severamente aqueles que a praticam, mas, ao contrario, para a justificar e legalizar a sua utilização
(Â…) Um ministro do interior francês – que, alias, aspira a ocupar um dia o cargo de Presidente da Republica – trata os jovens dos subúrbios de «escumalha» e promete «limpá-los». Se não é ainda Le Pen parece-se muito e mostra a que ponto o desprezo racista para com os moradores dos subúrbios, maioritariamente do Mahgreb e da Africa negra, permanece no espÍ­rito da «França de cima» (e infelizmente também, parcialmente, na «de baixo» que absorve o mesmo veneno). Mas mais e melhor, passe a expressão, a ilustrar a saudade de uma época em que se afirmava sem complexos a supremacia do Ocidente sobre os povos conquistados e os imigrantes que deles descendem. Refiro-me Í  lei do 23 de Fevereiro de 2005- que obriga os professores a ensinar aos alunos «o papel positivo» da colonização francesa - nomeadamente no Maghreb . Um «beneficio» que as novas gerações devem recordar, esquecendo-se que se traduziu sobretudo pela privação de todos os direitos entre os quais o direito a instrução e a falar a sua própria lÍ­ngua, e o de escolher os seus representantes, o beneficio da segregação, da expropriação, da exploração secular, da opressão diária e o massacre de milhões de pessoas. A indignação e o escândalo foram tamanhos que esse texto vergonhoso foi finalmente revogado. Mas apesar disso, aprovado pelo Parlamento, um dos seus artigos permanece em vigor, o que determina que os activistas da O AS, condenados por crimes cometidos na Argélia e em França, gente que tinha fugido do paÍ­s para escapar Í  justiça, sejam «indemnizados» pelas perdas materiais sofridas em consequência do seu exÍ­lio em Espanha ou e outros lugares na América Latina. Não se pode ser mais generoso. Simultaneamente, placas e estátuas são colocadas nos cemitérios, em homenagem a esses criminosos que, para prosseguirem com a guerra, quando o cessar fogo tinha, finalmente, sido proclamado, não hesitaram em disparar sobre os soldados franceses e em promover atentados.

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