Empréstimos imobiliários ilegÍ­timos e ilegais

Eric Toussaint    25.Oct.19    Outros autores

A grande crise financeira de 2007-2008 - que continua até hoje produzindo os seus efeitos – deixou Í  vista as práticas deletérias dos bancos, cujas consequências mais graves são pagas pelos cidadãos. Mas nada mudou nessas práticas, de tal forma criminosas que algumas acabam até por ser condenadas pelos próprios tribunais burgueses.

É o Estado, amiga.

Da Polónia Í  França, passando pelo Estado espanhol, Croácia, Hungria, Eslovénia, Grécia e outros paÍ­ses dos Balcãs, a emissão de empréstimos hipotecários em francos suÍ­ços afecta mais de um milhão de vÍ­timas da rapacidade dos grandes bancos privados. O Tribunal de Justiça da União Europeia acaba de emitir uma sentença que constitui uma etapa suplementar na corrida de obstáculos que muitos colectivos de pessoas endividadas percorrem.

Em 3 de Outubro de 2019, o Tribunal de Justiça da União Europeia, com sede no Luxemburgo, emitiu uma sentença que dá parcialmente razão as vÍ­timas na Polónia de empréstimos bancários abusivos concedidos principalmente durante o perÍ­odo 2004-2010 (Financial Times, EU rules in favour of Polish borrowers over Swiss franc-linked loans, publicado em 4 de Outubro de 2019). Esta vigarice afecta cerca de 700.000 lares na Polónia que foram convencidos por grandes bancos privados a contratar os seus créditos em francos suÍ­ços (TVN polaca, European Court of Justice backs Polish Swiss franc loan borrowers, publicado em 3 de Outubro de 2019).

O mecanismo abusivo usado pelos bancos pode ser resumido da seguinte forma: os bancos concederam empréstimos hipotecários em francos suÍ­ços que deveriam ser pagos em moeda local, o zloty. Garantiam aos seus clientes que, sendo o valor do franco suÍ­ço muito estável, faziam um bom negócio. Ora bem, a partir de 2010, o valor do franco suÍ­ço aumentou enormemente em relação ao zloty, ao euro, Í  coroa croata, ao forint húngaro etc. Um exemplo concreto: uma famÍ­lia polaca que pediu emprestados 150.000 francos suÍ­ços há 15 anos e tem pago regularmente os juros e uma parte do capital, descobre que mesmo agora ainda precisa devolver o equivalente em zlotys Í  soma inicial em francos suÍ­ços. Esta famÍ­lia, como as demais vÍ­timas de empréstimos em francos suÍ­ços, está acorrentada a um mecanismo de dÍ­vida perpétua. Estão em curso onze mil processos perante a justiça polaca.

Dada a lentidão desta justiça e a cumplicidade do governo polaco com os bancos, várias vÍ­timas levaram a questão ao Tribunal de Justiça da União Europeia [], que acaba de lhes da parcialmente razão. A sentença de 3 de Outubro deveria acelerar os processos em curso na Polónia e colocar mais claramente o governo polaco perante as suas responsabilidades. De facto, até agora, face ao drama social causado pelo comportamento odioso dos bancos, ele apenas estabeleceu um mecanismo de ajuda direcionado Í s famÍ­lias mais pobres. O governo polaco usa dinheiro público para ajudar os bancos a serem pagos pelos pobres por dÍ­vidas hipotecárias em francos suÍ­ços. Isso permite que os bancos continuem a obter grandes lucros.

Em vez desta polÍ­tica, um governo realmente a serviço da população e da justiça social deveria ter proposto ao Parlamento a adopção de uma lei para anular essas dÍ­vidas ilegÍ­timas e ilegais, em vez de recomendar Í s vÍ­timas, como o governo actual fez, que recorram individualmente Í  justiça. Mas, até agora, ele mesmo manteve-se longe de o fazer porque protege os interesses de grandes bancos privados estrangeiros e polacos. O montante total de créditos vinculados ao franco suÍ­ço na carteira dos bancos na Polónia eleva-se ao equivalente a 32.000 milhões de euros. Para vários deles, estes créditos ilegÍ­timos são superiores aos seus próprios fundos. Isso mostra em particular a extensão da vigarice a que se dedicaram.

Os grandes bancos que abusaram dos seus clientes são bem conhecidos na Europa além das fronteiras polacas. Trata-se do BNP Paribas, o primeiro banco francês, o Commerzbank, o segundo maior banco alemão, o Santander, o primeiro banco espanhol, o BCP, um dos principais bancos portugueses que comprou Í  Société Générale, o segundo banco francês, a sua subsidiária polaca chamada Eurobank (o conjunto chama-se actualmente Millénium).

A sentença adoptada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia é uma etapa suplementar da saga do escândalo dos empréstimos vinculados ao franco suÍ­ço.
Na Hungria, perante o descontentamento popular, o governo populista de direita de Viktor Orban cancelou em 2014, por um valor de vários milhares de milhões de euros, empréstimos abusivos vinculados ao franco suÍ­ço, forçando os bancos a convertê-los na moeda local, o forint .

Em 2015, o governo da Croácia teve também que aliviar a dÍ­vida de quase cem mil famÍ­lias endividadas (sobre as origens dos empréstimos em francos suÍ­ços na Croácia, ler Pierre Gottiniaux, Le scandale du crédit en franc suisse, publicado em 23 de Setembro de 2013).
Na Eslovénia, existem procedimentos em andamento.
Na Grécia, o Supremo Tribunal rejeitou em Abril de 2019 as reclamações de 70.000 vÍ­timas dos empréstimos hipotecários em francos suÍ­ços, mostrando mais uma vez que defendia os interesses dos poderosos contra o povo (ver Ekathimerini.com, Loans in Swiss francs to be repaid at current rate, publicado em 18 de Abril de 2019).

No Estado espanhol, estima-se que foram comercializadas até 70.000 hipotecas das chamadas multi-divisas, seja em francos suÍ­ços ou ienes. Destas, cerca de 50.000 emitidas entre o Bankinter, o Popular (absorvido pelo Santander) e o Barclays (integrado ao CaixaBank) []. Embora também tenham sido colocadas por entidades como a Catalunya Caixa (adquirida pelo BBVA), Santander, BBVA e Bankia [].

A Associação de Usuários Financeiros (Asufin) assumiu a defesa judicial dos afectados pelas hipotecas multi-divisa, que obtiveram sentenças favoráveis ”‹”‹ao consumidor, duas delas do Supremo Tribunal (STS 608/2017, de 15 de Novembro e STS 599/2018 de 22 de Outubro). Segundo dados colectados pela Asufin, 82% das hipotecas multi-divisa foram assinadas em 2007 (40,4%) e 2008 (41%). A partir de 2009, eles foram descontinuadas e actualmente não estão entre os produtos oferecidos por nenhuma entidade [].

Em França, um processo contra o BNP Paribas realizar-se-á em Novembro perante o Tribunal Correcional de Paris. Em França, o BNP Paribas Personal Finance (PNP PPF) comercializou entre Março de 2008 e Dezembro de 2009 empréstimos imobiliários tóxicos junto de 4.655 famÍ­lias. Este tipo de empréstimo chamado Helvet Immo, essencialmente destinado a investimento em habitação, é subscrito em francos suÍ­ços mas pago em euros. A subida do franco suÍ­ço no mercado de câmbios em relação Í  moeda europeia tem sido uma armadilha para os contraentes, que viram ao longo do tempo que o capital restante devido do empréstimo aumentava significativamente, apesar dos pagamento efectuados .

Face a um banco que rejeitava qualquer negociação amigável, os clientes empreenderam acções na justiça.
ConstituÍ­dos civilmente com o apoio do Choisir UFC-Que, do Consommation Logement Cadre de vie e de Force Ouvrière consumidores, 2.000 possuidores de empréstimos, organizados colectivamente, apresentaram diversas acções criminais no final de 2011 e fizeram abrir um inquérito judicial em 2013. Em 29 de Agosto de 2017, no final de uma instrução judicial de três anos e meio, os dois juÍ­zes de instrução encarregados desse processo decidiram inculpar duplamente o BNP PPF e fazer encaminhar a acusação para o tribunal criminal por “ prática comercial enganosa. ” Atrasado durante muito tempo, o julgamento vai realizar-se no final de Novembro de 2019 no tribunal correcional em Paris.

Conclusão

A grande crise financeira de 2007-2008, que continua produzindo até hoje os seus efeitos, revelou Í  luz do dia as práticas deletérias dos bancos, cujas consequências mais graves são pagas pelos cidadãos. Longe de servir a economia e de financiar os grandes projectos socialmente justos e necessários do ponto de vista ecológico que a urgência do nosso tempo impõe, os bancos continuam suas actividades especulativas em benefÍ­cio de um punhado de capitalistas que expoliam os cidadãos e actores públicos locais.

Diante dessa situação, impõe-se uma solução: assumir o controlo dos bancos socializando-os por meio do estabelecimento de um serviço público bancário a serviço do interesse geral.

Também é muito importante agir de forma coordenada a nÍ­vel europeu para combater as dÍ­vidas privadas ilegÍ­timas e, neste caso em concreto, dos créditos vinculados ao franco suÍ­ço que foram concedidos por grandes bancos privados.

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