Entrevista a João Pedro Stedile*

Correo del Alba    06.Nov.17    Outros autores

Nesta extensa entrevista a um jornal venezuelano, o principal dirigente do MST aborda a situação no seu paÍ­s e na América Latina em geral. Retenhamos a importância central atribuÍ­da Í  mobilização e Í  intervenção directa das massas, Í  necessidade de romper com o espartilho da democracia burguesa, Í  necessidade de encontrar caminhos de desenvolvimento não capitalista.

1. O MST, desde o inÍ­cio traçou polÍ­ticas reivindicativas de altÍ­ssimo conteúdo agrário, e actualmente continua a reclamar uma nova e profunda polÍ­tica redistributiva de terras. Qual é a dimensão real da concentração de terras e o problema agrário no Brasil? Que elementos deve ter qualquer reforma agrária justa e abrangente, que favoreça as maiorias? Como classificam, em termos polÍ­ticos, económicos, sociais e ambientais, os efeitos do agro-negócio local?

JPS - Bom, o Brasil é o paÍ­s de maior desigualdade social do mundo. Da maior diferença entre o 1% por cento mais rico e os 80% mais pobres. E isso reflecte-se na propriedade da terra. Somos o paÍ­s mais latifundista do mundo. Menos de um por cento de proprietários, que são cerca de 36 mil famÍ­lias, detêm 52% de todas as terras do paÍ­s, cerca de 300 milhões de hectares. Temos aqui empresas com um milhão de hectares. Do outro lado da moeda 4 milhões de famÍ­lias de camponeses sem terra, 5 milhões de trabalhadores agrÍ­colas e uns 4 milhões de camponeses com pouca terra.
Além disso, nas últimas duas décadas, o capital financeiro apoderou-se do campo brasileiro e as transnacionais que impuseram o seu modelo de produção agrÍ­cola com o agronegócio. O agronegócio é a imposição do monocultivo em escala elevada, mecanização intensiva o uso de sementes transgénicas, como forma de controle da produção, e elevado grau de utilização de agro-tóxicos como forma de libertação da mão-de-obra. A maior parte da produção, apenas commodities agrÍ­colas para exportação.
Perante essa realidade surgiu na década de 80 o nosso movimento, como um movimento camponês, que lutava pela distribuição da terra. Assim, a reforma agrária é sinónimo da palavra de ordem zapatista «a terra para quem a trabalha» E para essa luta anti-latifundista adoptamos a forma da tomada de terras, Fizemos mais de 5 mil tomadas de terra nestas três décadas de existência. Conquistamos assentamento para mais de 300 mil famÍ­lias sem terra. Mas isso é insuficiente perante a metamorfose do capital no agro e diante das reivindicações de uma vida digna no campo.
Assim, temos ajustado o nosso programa agrário, e agora resumimos a ideia de uma Reforma Agrária Popular, ou seja, as mudanças estruturais no campo devem atender toda a população, daÍ­ ser popular e já não camponesa.
Num programa assim, quer dizer que mudaram os paradigmas, e agora não é apenas terra para trabalho, para o campesinato. Isso continua. Mas incluÍ­mos a ideia de que o nosso maior objectivo deve ser terra para produzir alimentos saudáveis para todos. Assim devemos abandonar os agro-tóxicos, os transgénicos, e adoptar a matriz de produção agro-ecológica. Que é também um novo paradigma para o campo.
Devemos produzir em equilÍ­brio com todos os seres vivos que existem na natureza.
Devemos desenvolver as forças produtivas com organização da agro-indústria de forma cooperativa. Porque sem a agro-indústria não haverá aumento do rendimento. Não é possÍ­vel transportar os alimentos e conservá-los. Não haverá emprego para a juventude, que não quer ser apenas campesina, trabalhar a terra inteira com enxada, mas quer viver no campo, estudar, ter rendimento.
IncluÍ­mos o paradigma da universalização da educação, lutando por escolas de todos os nÍ­veis, desde a infância até Í  universidade para todos os filhos de camponeses. E nestes anos temos conseguido formar mais de 5 mil em universidades sem sair do campo, utilizando o método de cursos com ensino alternativo. Dois meses intensivos na universidade, dois meses na sua comunidade. Assim não perde as raÍ­zes, os vÍ­nculos sociais e mantém-se no campo depois de formados.
IncluÍ­mos o tema da valorização da cultura do campo, desde a culinária, a música, o respeito pelas crenças, etc.
E com este novo programa agrário, conseguimos agora enfrentar o projecto do capital que é o agro-negócio. Só com a tomada de terras não chega para os derrotar.

2. No final do passado mês de Julho, uns 15 mil membros do MST tomaram quintas e fazendas de altas personalidades do Governo, de facto ocuparam terras do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, no estado de Mato Grosso, em do próprio Michel Temer em São Paulo. Que outras formas de luta, legais e ilegais, utiliza o MST? Qual é a sua base de apoio?

JPS - O Brasil vive tempos difÍ­ceis porque a burguesia tomou de assalto o governo federal com um golpe. O golpe foi para que a burguesia vinculada Í s transnacionais se consiga safar, perante a grave crise económica, social, ambiental e polÍ­tica que vivemos. E para eles poderem sair da crise precisam de pôr todo o custo social nas costas do povo, dos trabalhadores.
Perante isso, a táctica principal de todos os movimentos populares que aglutinamos na FRENTE BRASIL POPULAR é derrubar o governo e recuperar o direito de eleger democraticamente novos dirigentes.
A nossa jornada de tomada de terras de polÍ­ticos corruptos que estão no governo foi para denunciar ao povo o grau de degeneração, de corrupção que envolve os dirigentes actuais.
Todos, todos eles corruptos e muitos deles, mesmo o senhor Michel Temer, usam parte das suas corrupções comprando fazendas, para disfarçar. Por isso já ocupamos três vezes a fazenda de Temer e vamos continuar a faze-lo, até que ele se vá embora.
As nossas formas de luta ao longo das três décadas têm sido muito amplas, fazemos desde tomada de terras de forma massiva, com toda a famÍ­lia camponesa, desde crianças a anciãos, para aumentar a força social e poder desenvolver a consciência social dos que participam na luta concreta. Temos marchas massivas e de longa distancia que aprendemos com os povos andinos. E já fizemos em 97 uma marcha com 2 mil quilómetros, com mais de 5 mil militantes.
Fazemos ocupação de escolas, de organismos públicos, destruÍ­mos campos de reprodução de sementes transgénicas, etc.
Mas fazemos muitas lutas também propositivas, como são as lutas para conquistar classes camponesas na universidade, construção de casas no campo, etc.
E desenvolvemos em todo o paÍ­s escolas de agro-ecologia e feiras de produtos agro-ecológicos nas grandes cidades para consciencializar as pessoas que é possÍ­vel produzir alimentos saudáveis a preços acessÍ­veis.
Todas as formas de luta são necessárias e boas, desde que as façamos de modo massivo, com participação ampla das pessoas. E como diz o ditado popular «só perde quem não luta!»

3. Se puder referir resumidamente o projecto polÍ­tico do MST, a presença territorial a nÍ­vel nacional, assim como alguma experiência concreta de empresas socializadas ou cooperativas que administrem, como movimento.

JPS - Bom, o movimento está presente em quase todo o território nacional, mas com mais força na região noroeste e sul do paÍ­s, onde predominam os camponeses sem terra. Na Amazónia despovoada e centro leste que faz fronteira com a BolÍ­via quase não temos ninguém. Nem luta. Embora predomine o latifúndio. Mas sem muita gente não conseguimos avançar. Assim, na Amazónia, apoiamos a causa indÍ­gena e defendemos que desenvolvam projectos de preservação do meio ambiente e de respeito para com as nossas reservas mundiais de água doce, de biodiversidade e de oxigénio. A Amazónia representa 60% do território nacional.
E no que respeita a outras formas de organização produtiva, desenvolvemos ao longo destes anos muitas formas de cooperação agrÍ­cola. Que estimulam a divisão do trabalho, a agro-indústria e o desenvolvimento das forças produtivas no campo, mas sob o controlo dos camponeses. Todas as formas de cooperação agrÍ­cola são necessárias e diversas. Porque dependem de nÍ­veis distintos de acumulação do capital e trabalho e de nÍ­veis de consciência organizativa distinta. E essas duas condições objectivas e subjectivas são as que com efeito determinam a forma que cada comunidade/assentamento vai adoptar.
Hoje temos desde grupos comunitários informais, para organizar uma feira agro-ecológica, utilizar um tractor de forma colectiva, até cooperativas de alto nÍ­vel de organização, que industrializam mais de três milhões de litros de leite por semana. Com os subprodutos do leite de longa vida, queijo, iogurtes, manteigas, bebidas lácteas, etc.
Mas, o nosso maior orgulho, é o nosso sector de arroz orgânico. Hoje somos o maior produtor da América Latina de arroz orgânico, com a produção anual de 600 mil sacas, de arroz agro-ecológico. E industrializamo-lo e colocamos na merenda escolar do nosso paÍ­s e exportamos para a Europa e a Venezuela.
Também temos uma grande fábrica de sumo de uva natural.

Repressão ao MST

4. Em 4 de Novembro de 2016, a polÍ­cia civil de Mogi das Cruzes irrompeu violentamente na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) em Guararema, São Paulo, sem ordem judicial e efectuou alguns disparos. Qual é o estado actual dos movimentos sociais no Brasil quanto Í  «criminalização do protesto», repressão, etc.?

JPS - O episódio de invasão armada da nossa escola nacional de formação de quadros foi extemporâneo, um erro da polÍ­cia, que aglutinou a solidariedade de todos, e por isso se virou contra a polÍ­cia e o governo golpista.
Mas, além disso, há uma violência estrutural no campo que é sistematicamente praticada pelo latifúndio e as forças que o defendem, sejam milÍ­cias privadas seja a polÍ­cia militar local, que seguem as suas ordens.
Em geral essa violência é praticada de forma localizada contra os lÍ­deres individuais que não estão acostumados a fazer lutas de massa. E por isso o latifúndio aproveita-se. E por isso ocorrem nas regiões mais afastadas da Amazónia. Dois estados são os campeões nacionais de violência contra camponeses. Pará e Mato Grosso.
Geralmente temos cerca de 50 assassÍ­nios por ano. Nos últimos anos, lideres indÍ­genas têm sido as principais vÍ­timas. E também afrodescendentes. Porque esses dois grupos sociais estão na fronteira agrÍ­cola e o capital quer avançar as suas propriedades com o seu modelo de agro-negócio e choca com essas comunidades tradicionais e daÍ­ resulta o conflito. O latifundiário julga-se no direito de o resolver de forma armada.
No MST protegemo-nos contra isso, com lutas de massas. A luta de massas altera a correlação de forças no campo e põe os latifundiários na defesa.
Por outro lado com o golpe há uma perseguição polÍ­tica contra a organização dos trabalhadores. Assim, os aparelhos de informações, de perseguição judicial são os mais activos contra nós.
E também a mais perigosa é a repressão mediática. Os meios televisivos da burguesia, que mantêm o monopólio da informação no Brasil, fazem a repressão prévia. Acusam-nos, mentem e com isso tentam pôr a população da cidade contra nós, e gerar condições propÍ­cias para os processos repressivos do seu poder judicial, que também é um monopólio da burguesia.
Assim, hoje, a pior repressão é a mediático-judicial, porque, tentam condenar-nos previamente perante a opinião pública, perante o povo. Para nos isolarem desse povo.

Golpe e Dilma Rousseff

5. Há treze meses o Parlamento brasileiro, depois de a acusar de «pedaladas fiscais, corrupção na Petrobrás e crimes de responsabilidade», destituiu Dilma Rousseff. Que aconteceu no paÍ­s para que a direita materialize constitucionalmente um golpe de Estado contra uma presidente eleita nas urnas? Quais são os erros do PT, e em geral das forças aliadas aos petistas, que impediram a consolidação e defesa do governo de Dilma? Porque a bonança económica da última década não esteve acompanhada de processos de mobilização e participação das massas assim como de um trabalho sério de consciencialização anticapitalista?

JPS - Vamos por partes. No perÍ­odo de 2003-2010 o Brasil viveu um boom económico, a economia cresceu 6,7%. E isso permitiu ter um excedente económico. Com o governo Lula e o primeiro mandato de Dilma, era então possÍ­vel aplicar uma economia de conciliação de classes, onde todas as classes poderiam ganhar, embora os banqueiros ganhassem mais, como Lula dizia. E a esse programa chamou-se neo-desenvolvimento. Crescimento económico com distribuição de rendimentos (não de riquezas patrimoniais] e um papel importante das polÍ­ticas públicas do Estado.
Nesse perÍ­odo, o PT e os partidos de esquerda que estavam no governo tornaram-se prepotentes, julgavam-se invencÍ­veis, abandonaram o estÍ­mulo Í  organização e concretização das massas. E não quiseram enfrentar a burguesia promovendo reformas estruturais. Porque a economia crescia, sem reformas e porque o governo era de conciliação. A burguesia tinha uma presença forte no governo, geralmente controlando os ministérios da economia e das comunicações. A esquerda ficava com os ministérios da área social e polÍ­tica externa.
E como esse modelo conseguia resultados eleitorais, os que estavam no governo não aceitavam criticas dos movimentos populares onde nós estávamos.
Mas em 2008 veio a crise, que Lula enfrentou com polÍ­ticas públicas e conseguiu detê-la temporariamente, até que esta voltou com força em 2010 a 2014. E então com a estagnação económica, sem excedentes para repartir, houve o rompimento da conciliação de classes. E a burguesia abandonou o governo. E Dilma não tinha o carisma popular de Lula, para conseguir aglutinar forças sociais e as massas, para fazer reformas.
Nas eleições de 2014, a burguesia tomou a decisão de se apoderar dos quatro poderes da república para ter a hegemonia do poder absoluto e enfrentar assim a crise, salvando-se e pondo todo o custo sobre os ombros da classe trabalhadora.
Utilizando a metáfora do Titanic. A economia e a sociedade brasileira estavam a afundar, e a burguesia tratou de se salvar sozinha, toma para si os salva-vidas e atira ao mar para se afogarem «a segunda e a terceira classe» ou seja os trabalhadores.
Assim, financiaram a peso de ouro e gastaram mais de dois mil milhões de dólares para eleger o novo congresso. Não há paralelo no mundo de uma burguesia gastar tanto dinheiro para eleger os seus deputados. E conseguiram-no, temos o pior parlamento de toda a história. Um bando de conservadores, corruptos, uma quadrilha.
Pensavam derrotar Dilma nas urnas, mas não conseguiram. E no dia seguinte começaram a conspirar.
Dilma cometeu mais um erro, assumiu o governo e traiu o seu programa de campanha e entregou a polÍ­tica económica Í  burguesia que pôs um banqueiro como ministro. A crise económica aprofundou-se. E o resultado é que as massas que tinham eleito Dilma, abandonaram-na.
Quando os meios se deram conta disso, foi apenas questão de tempo e de procurar uma fórmula jurÍ­dica para a fazer cair e então o poder judicial, o Congresso e os meios massivos isolaram a presidente e deram o golpe.
Nós, os dos movimentos populares saÍ­mos Í  rua, mas o povo não saiu. Deixou-nos sós.
Assim, aconteceu a novela da luta politica que acabou no derrubamento do governo Dilma. Um golpe da burguesia, sem que o povo reagisse.

6. Inscreveria o golpe patronal a Dilma no marco da contra ofensiva restauradora neoliberal no continente ou obedece antes a dinâmicas históricas e politicas locais?

JPS - Claro, há uma crise económica que é do modo de produção capitalista a nÍ­vel internacional. Brasil e América Latina estão na periferia do sistema. De cada vez que há uma crise no centro, as forças do capital movem-se, para vir tirar Í  periferia mais lucros, para poder enviar mais recursos Í s suas matrizes e recuperar-se mais depressa no centro do capitalismo.
E assim foi, aqui operaram os bancos, as agências informativas e claro também os organismos de inteligência dos gringos apoiando, financiando, obtendo o apoio da direita. Mas, isso é complementar, o principal foi a derrota que tivemos na luta de classes, por não ter compreendido a natureza dessa luta de classe sobretudo a partir de 2013.

Governo de Temer

7. Vendo a partir do exterior a administração Temer ficamos surpresos com a contra-ofensiva neoliberal vertiginosa e eficaz que, em matéria económica em menos de um ano através, por exemplo, da Emenda Constitucional 95, ressuscitou o Consenso de Washington, afectando as maiorias e, principalmente, a classe trabalhadora crioula. Assistimos efectivamente a uma espécie de «refundação neoliberal» no Brasil? Que classes e grupos económicos são os que sustentam Temer? Quais serão os efeitos dessa onda privatizadora, repressiva e que violenta os direitos das camadas sociais mais pobres?

JPS - Primeiro, vejamos a conjuntura continental. Não creio numa nova hegemonia neoliberal na América Latina. Nem numa derrota histórica, que muitos sectores de esquerda utilizam, Í s vezes para justificar «o «nada a fazer».
Na década de 90, sim houve uma hegemonia total do neoliberalismo ou seja da forma do capital dominar a América Latina, fruto também da derrota socialista de 89. E isso resultou em governos de direita em todo o continente.
Logo após a vitória de Chávez, tivemos na década de 2000 o avanço das forças progressistas. E o aparecimento dos novos projectos, o neo-desenvolvimento, que era uma proposta de conciliação de classes para o crescimento económico com distribuição de rendimentos, que se aplicou no Brasil, Argentina, Uruguai e no Chile de Bachelet. E o projecto de ALBA, que propunha uma polÍ­tica anti-imperialista e de integração continental. Que foi adoptada pela Venezuela, Cuba, Nicarágua, BolÍ­via, Equador.
Durante esses quinze anos, houve uma disputa permanente entre os três projectos: neoliberalismo do império, o neo-desenvolvimento e o projecto ALBA. Nesse perÍ­odo cada projecto elegeu diversos governos, por vezes perdia, por vezes avançava. Havia uma disputa e um equilÍ­brio das forças permanente a nÍ­vel continental.
Com a crise económica internacional, que afectou duramente todo o continente, que aconteceu? Todos os três projectos entraram em crise. Todos eles perderam posições. E no geral, acabou numa situação em que nenhum dos projectos teve esperança e apoio popular, maciço, com excepção da BolÍ­via, Cuba e Venezuela. Nenhum dos projectos teve hegemonia continental. E assim, temos um equilibro na derrota dos três.
E da parte das massas continua a existir um cepticismo nessas vias.
Assim, podemos dizer que teremos um longo perÍ­odo de recomposição de forças, até conseguirmos avançar para a retomada da subida do movimento de massas, que possa alterar a correlação de forças continental para o nosso lado.
Segundo, a nÍ­vel de Brasil e da natureza das polÍ­ticas económicas do capital, não há muita novidade no que estão a fazer. Precisam de sair da crise económica. Para isso precisam de salvar as grandes empresas, vinculadas também ao capital estrangeiro.
O guião para conseguir os «botes salva-vidas» no naufrágio do Titanic capitalista é claro:
a) Recuperar a taxa de lucro dentro das empresas, e para isso necessitam de despedir gente, diminuir os custos de mão-de-obra, retirar direitos conquistados pelos trabalhadores. Ou seja há uma disputa maior, mais violenta, pela mais-valia dentro das empresas.
b) Apoderar-se da mais-valia social arrecadada pelo Estado. Por isso precisam de governos servis, sob o seu controlo absoluto. Com isso diminuem programas sociais, de distribuição de renda, e concentram os recursos na recuperação das empresas, diminuição de impostos, etc.
c) Apoderar-se dos recursos naturais, como agua, petróleo, minérios, biodiversidade, florestas e até oxigénio por via dos créditos de carbono. Os recursos naturais não têm valor. Porque não são resultado do trabalho humano, mas ao tornar-se mercadorias no mercado adquirem preços muito acima do seu custo, e isso gera uma renda extraordinária para a sua exploração, Por isso precisam de privatizar o controlo desses recursos. Aqui fala-se até de privatizar as grandes fazendas para o capital estrangeiro. Ou seja a burguesia nativa está a entregar todos os recursos naturais aos seus parceiros externos.
d) privatizar os serviços públicos, que podem dar bons lucros como a segurança social privada, os serviços de saúde, transporte, aeroportos, etc. Querem privatizar o serviço de energia eléctrica com a Electrobras, serviços bancários do Banco do Brasil, da Caixa económica, que são bancos públicos.
Fala-se também em privatizar o serviço dos correios e até a casa que fabrica a moeda, o dinheiro. O Brasil é um dos poucos paÍ­ses que podem fazer papel-moeda. E querem entregar aos gringos, porque é um serviço de alto rendimento.
e) por último, precisam de reordenar as nossas economias na órbita dos interesses da economia e das empresas gringas.
Isso é o manual do capital. Não é necessariamente uma ofensiva neoliberal. As contradições, são que essa polÍ­tica salva algumas e as principais empresas, mas não salva a economia como um todo.
A contradição é que ao afectar todo o povo, retira-lhe apoio e hegemonia. Hoje o nosso governo tem apenas 3% de apoio popular. Ou seja nem a classe média os apoia. Está envergonhada porque derrubaram Dilma e agora têm um governo pior.
Na mesma órbita subordinada Í  economia gringa que não lhes deu lucro. Porque como a crise é mundial, os gringos retiram lucros da América Latina e não investem, em projectos produtivos. E isso aprofunda-se com a crise.
Os nÍ­veis de desemprego são os mais altos da história no Brasil, e creio que em quase toda a América Latina.
Concluindo, temos uma hegemonia polÍ­tica do capital nos poderes da república, mas não na economia e muito menos na sociedade. E isso significa que a crise continuará durante anos, até as massas acordarem e se levantarem.

Presidenciais 2018

8. Durante o primeiro semestre, a quase totalidade das empresas de sondagens situa como favorita a intenção de voto em Lula para as presidenciais de Outubro do próximo ano. Que representa a figura do ex-presidente para a população brasileira? Que projecto polÍ­tico arvora Lula? Quais são os desafios que deveria enfrentar no caso de conseguir ganhar? Como vê o MST a eventual postulação do ex-sindicalista metalúrgico?

JPS - Lula é o sÍ­mbolo, encarna a classe trabalhadora, o povo brasileiro, como um todo. É maior que o PT. É maior que uma simples alternativa eleitoral. Perante a ofensiva da burguesia, a classe trabalhadora, o povo, diz então precisamos de Lula para os derrotar.
Por isso agora a burguesia quer a todo o custo prende-lo e impedir a sua candidatura.
Nós dos movimentos populares dizemos que Lula tem que desempenhar neste momento um papel de agitador das massas, para ergue-las contra o plano golpista da burguesia. E anunciar que é possÍ­vel outro modelo, outra forma de enfrentar os problemas das pessoas.
Defendemos que ele seja candidato, mesmo na prisão, como aconteceu com Mandela. E levá-lo-Í­amos das urnas para o Palácio do Planalto.
Mas ainda temos muito pela frente. Primeiro, temos de dar luta em defesa dos nossos direitos que nos estão a tirar, em defesa da soberania nacional e popular, em defesa dos recursos naturais. Ou seja temos que estimular toda a espécie de luta de massas, para manter as massas mobilizadas. E ao mesmo tempo ir discutindo, construindo colectivamente um programa popular para o paÍ­s. Um programa que enfrente a crise económica, salvando a classe trabalhadora e deixando os barcos Í  burguesia.
Estamos nessa.
Lula agora será o porta-voz da classe trabalhadora, e já não pode nem tem espaço para ser conciliador das classes como em 2003-2029. O modelo do neo-desenvolvimento já não tem lugar.
Claro que o programa não será apenas resultado de debates e construção colectiva que estamos a fazer na FRENTE BRASIL POPULAR, mas sim fruto da correlação de forças. Mas vejamos, a vitória eleitoral de Lula, não é uma campanha eleitoral normal, será uma verdadeira e competitiva luta de classes.
Assim, digo, que teremos muitos anos de agudização da luta de classes no Brasil e em toda a América Latina. O que é muito bom.

9 E quanto pesou na deterioração da imagem de Lula a ofensiva politico-mediática-judicial que o acusa, entre outras coisas, de corrupção e fazer parte de uma «organização criminosa» dentro do PT com o objectivo de beneficiar, mediante concessões fiscais, determinadas empresas em troca de dinheiro e bens?

JPS - No Brasil, o processo polÍ­tico-eleitoral é uma vergonha. A burguesia sequestrou as eleições, gasta milhões de dólares e elege quem quer. A democracia formal burguesa está em crise e desmoralizada. E a esquerda precisa de fazer uma crÍ­tica dura a essa forma de democracia e não tentar achar espaços para si própria, para fazer as mesmas práticas da burguesia.
Por isso defendemos no Brasil convocar com o próximo governo Lula uma assembleia constituinte para fazer uma reforma politica e de poder judicial de fundo.
As pessoas já não acreditam em eleições, porque sabem que o seu voto não pesa, não muda a realidade.
A democracia burguesa, do voto, é uma farsa em todo o mundo. Precisamos de debater e procurar novas formas de participação popular e de exercÍ­cio das massas nos espaços institucionais.
Agora, no caso de Lula, desde que saiu do governo em 2011, a burguesia ataca-o todos os dias, por todos os meios. Mas a realidade é mais real do que a propaganda. E Lula tem mantido a credibilidade e a confiança das massas. Por isso, agora procuram impedir que dispute as eleições.
O PT no inÍ­cio teve dificuldades, creio que perdeu credibilidade com a juventude. Mas o descrédito da juventude, infelizmente é contra todos os partidos e não apenas contra o PT. Creio que a juventude está sem esperança, e com razão, nas estratégias eleitorais, e quer sinais de mudanças estruturais na sociedade.
Assim, os verdadeiros desafios que temos na esquerda, nos movimentos populares, não é apenas fazer autocritica e analisar os erros do PT, do governo Dilma, mas debater uma nova estratégia de disputa do poder polÍ­tico na sociedade. E daÍ­ creio que Gramsci, o santo italiano mais autêntico, pode ajudar-nos muito, quanto a desenvolver a tese do estado ampliado, indicando para a esquerda, para os socialistas, que deverÍ­amos disputar todos os espaços de poder polÍ­ticos que haja na sociedade, como uma fábrica, uma rádio, um sindicato, uma igreja, uma universidade e não só ficar na única ideia de disputar governos.

Mapa continental

10 — Em menos de cinco anos, um olhar rápido ao mapa politico continental, mostra-nos irrefutavelmente «uma mudança de cor». Eleitoralmente acedem ao governo projectos reaccionários como o de Macri na Argentina e Kauczynski no Peru, obtém vitorias parciais a direita da Venezuela e BolÍ­via, destitui-se ilegalmente presidentes progressistas no Brasil e no Paraguai, consolida-se a aliança do PacÍ­fico e começam a destruir-se alternativas integradoras como ALBA, UNASUR e CELAC. Que se passa com a esquerda sul-americana? Carecemos de projectos polÍ­ticos atractivos para as maiorias? Onde deve fazer-se finca-pé para inserir as suas bases de apoio e por que formas? Quais são as «tarefas pendentes» na região mais desigual do planeta?

JPS - Como já disse noutras perguntas, claro que houve mudanças em todo o continente. Mas estamos num perÍ­odo de disputas e todos os projectos estão em crise. A direita e o capital, e todos os projectos estão em crise. A direita e o capital não conseguiram impor com legitimidade o apoio popular do seu projecto.
Se querem, vejam a situação económica, social e polÍ­tica do México, Colômbia, Guatemala, onde têm os seus governos há anos. Claro que estão a tratar de destruir tudo o que fazia parte do projecto ALBA de integração popular, como a ALBA, CELAC, UNASUR, etc. Mas é parte da luta. Mas também não conseguiram hegemonia na OEA ou no governo Trump, que não tem apoio na América Latina.
Por outro lado, claro, a esquerda precisa de se renovar. Há necessidade de renovação em termos de debate de estratégia politica, Não podemos continuar a ser reféns de estratégias eleitorais., de só pensar em ganhar as próximas eleições. E para ganhar é preciso fazer todo o tipo de alianças oportunistas, e com classes antagónicas… Precisamos de estratégias de acumulação de força popular, de organização para disputar o poder polÍ­tico na sociedade para transitar para sistemas pós-capitalistas.
E precisamos de renovar os nossos métodos de trabalho, a nossa posição politica. Refiro-me Í  necessidade de fazer trabalho de base, ir conversar, convencer e organizar as pessoas, nos seus espaços de casa, de trabalho, nas escolas, universidades, campos, etc.
Precisamos de retomar a formação polÍ­tica dos militantes, e quadros. Quantas escolas de quadros temos nos nossos paÍ­ses? E sem formar militantes, quadros, não teremos a clareza ideológica de poder enfrentar e derrotar os nossos inimigos de classe.
E precisamos de desenvolver novos métodos de comunicação de massas. Para enfrentar, fazer a contra-hegemonia que os grandes meios televisivos fazem. Mas eles não podem falar da realidade. Nós sim podemos falar da realidade com as pessoas. Para isso, devemos desenvolver os meios relacionados com a cultura das pessoas, a música, o teatro, os grafitis, as palavras de ordem, etc.
Desenvolver novos métodos de convencimento das pessoas, os discursos já não convencem ninguém. O nosso projecto de liberalização tem que revestir-se de mÍ­stica, de simbologia, de esperança… para juntar sobretudo a juventude. A juventude entre a classe trabalhadora, nas periferias das grandes cidades, é a única possibilidade de mudanças.
Portanto temos muito trabalho. Sabemos o que temos de fazer, mas custa-nos mudar a maneira de trabalhar. A esquerda está burocratizada, ainda iludida com pequenos espaços de poder na institucionalidade. Como Gramsci afirmava: «iludida com a mediocridade da pequena polÍ­tica». O que muda a polÍ­tica é o povo organizado em movimento.

11. Em entrevistas concedidas a outros meios referiu-se Í  relação governo-Estado-movimentos populares, neste perÍ­odo da história recente. Quais foram os erros cometidos nesta relação durante os governos de forças progressistas e de esquerda na Nossa América? Como mantém a autonomia um movimento popular em relação ao Estado e governo quando um lÍ­der popular acede ao governo? Os movimentos sociais estão incapazes na construção de uma alternativa anticapitalista? Acha que o limite do progressismo foi a sua proposta anti neoliberal que paradoxalmente, acabou por reproduzir o capitalismo? O que é ser anticapitalista hoje?

JPS - Há muitos erros e acertos em cada experiência em cada um dos nossos paÍ­ses. É difÍ­cil tirar lições universais ou continentais. O principal é que a esquerda e os movimentos populares se proponham fazer uma análise autocrÍ­tica da experiência recente. Para tirar ensinamentos positivos e não repetir os mesmos erros.
Nós, sempre defendemos e praticamos a autonomia do nosso movimento perante os partidos, os governos, de todo o tipo, e o estado. Tivemos sorte, por a nossa geração na história da esquerda depois da derrota da ditadura militar constituir as diversas formas de organização de forma autónoma. Fizemos uma autocrÍ­tica e o PT sempre respeitou a autonomia dos movimentos. Ou seja rompemos com a tradição da esquerda de que os movimentos eram simples correias de transmissão do partido, como as suas frentes de massa. Sei que no Brasil e noutros paÍ­ses essa politica ainda continua. Mas achamos que é mais saudável, para ampliar a organização das pessoas.
O projecto de transformação da sociedade tem de ser comum, porque é de todas as classes mas as formas de organização e decisão politica tem que ter autonomia em cada espaço, sindical, popular, eclesiástico e partidário.
Houve muitos erros, a confundir governo com poder polÍ­tico.
Houve erros a subordinar a polÍ­tica do governo de conciliação de classes e alguns sectores abandonaram a luta de classe contra a burguesia. Nós salvamo-nos disso. O governo Lula tinha latifundistas nos ministérios, mas nós continuamos no seu governo a tomar terras aos latifundistas. Assim, como muitos sindicatos continuaram a fazer greves contra burgueses que estavam no governo.
Creio que houve muita confusão e falta de compreensão. Muitos lideres populares alcançaram postos no governo. Isso é normal e necessário. Mas esse lÍ­der não pode querer subordinar o seu movimento ou classe. Deve haver uma separação de espaços.
Mas creio que o problema maior foi, respeitando os limites, dos espaços institucionais, não ter feito esforços para confiar na mobilização de massas, como uma força necessária para alterar a correlação de forças dentro do governo.
É muito difÍ­cil dizer o que é ser anticapitalista nesses tempos. Porque a hegemonia ideológica na sociedade é da classe dominante, que é a burguesia, os capitalistas. Assim as massas são envolvidas por falsos valores capitalistas, do consumismo, individualismo e egoÍ­smo.
Creio que não devemos desanimar e continuar as nossas tarefas permanentes, como comentamos no ponto anterior. Organizar as pessoas, organizar a luta de massas, formar quadros, fazer a disputa ideológica com novos métodos culturais, enfrentando os meios televisivos, e com isso e ajuntando forças, para mudar a sociedade.
Será um longo caminho e por isso precisamos de ser persistentes.
No geral, a pequena burguesia tem tido muita influência nas organizações da classe trabalhadora, os seus sindicatos e partidos e confunde discurso anticapitalista, teorias, com práticas polÍ­ticas anticapitalistas juntamente com forças da classe trabalhadora.
A pequena burguesia é muito imediatista e oportunista, quer chegar ao governo logo… A classe trabalhadora precisa de mudar a forma de funcionar a sociedade, que é um processo mais longo, mais difÍ­cil, do que chegar simplesmente ao governo.

Revolução Bolivariana

12 — Para terminar, já há alguns anos parecia que na Venezuela, aos olhos de muitos militantes de esquerda, o progressismo e em geral de companheiros de movimentos sociais, joga-se a consolidação ou não do projecto emancipador anticapitalista mais importante do século XXI na América do Sul. Perante a arremetida americana e da burguesia autóctone venezuelana e continental que leituras fazem no MST deste processo? Quais são os contributos que a revolução venezuelana tem trazido para as forças anticapitalistas do continente? Qual foi a importância de Chávez e do seu legado? Que balanço fazem do governo de Nicolas Maduro? E por fim que mensagem pode deixar aos nossos leitores na Venezuela?

JPS - Há muitos aspectos envolvidos na tua pergunta. Falo como militante brasileiro, embora tivesse o privilégio de fazer muitas viagens e manter amizade pessoal com o comandante Chávez, Maduro e outros dirigentes do processo venezuelano.
A Venezuela tem problemas estruturais históricos, que restringem o ritmo de mudanças para uma sociedade socialista. O século XX de dependência do petróleo, dessa renda petrolÍ­fera, a ausência de uma industrialização nacional, a ausência de uma cultura do trabalho produtivo. A dependência da importação. A cultura do consumismo engendrado por uma renda petrolÍ­fera. A urbanização excessiva da população, concentrada em algumas regiões. Uma classe media-pequena burguesia totalmente colonizada, de costas voltadas para o seu povo. Tudo isso é condicionante, objectivo, que dificulta mudanças estruturais, que não dependem de vontades politicas ou do governo.
Por outro lado, o império identificou Chávez como seu inimigo principal na América Latina. E nesses anos aplicou aliás todas as fórmulas clássicas dos manuais da CIA. A fórmula do Panamá, golpe clássico que depois levou Í  morte do comandante Chávez, que parece agora comprovado o que todos acreditávamos, que lhe foi inoculado algum vÍ­rus em forma de nanotecnologia que impediu os resultados das medicinas para combater a sua enfermidade.
Aplicaram a fórmula chilena, do boicote de mercadorias, manipulação de câmbios durante os últimos anos, que conseguiram derrubar Allende.
Nos últimos meses, de Abril a Agosto, aplicaram a fórmula ucraniana, de promover o terror. Mercenários, lumpen venezuelanos pagos a cem dólares por dia, eram financiados para cometer todo o tipo de barbárie, desde assassÍ­nios até atirar bombas molotov a infantários. Mataram mais de cem pessoas que nada tinham a ver com o conflito.
E todas essas tácticas fracassaram. É incrÍ­vel mas fracassaram, o que nos leva a uma admiração por esse povo venezuelano, pelo seu nÍ­vel de consciência e mobilização.
Comparando com o Brasil, com toda a nossa soberba, a maior do mundo, com um governo internacionalmente famoso com Lula/Dilma, em seis meses caÍ­mos. Os venezuelanos resistem há 17 anos. Portanto, apesar de todas as dificuldades que ainda existem, saem vitoriosos contra o império.
Acho, desde sempre, que a fórmula principal das forças bolivarianas foi a transparência com o povo. Fico sempre admirado como o governo fala de tudo, todos os dias, para o povo. Não há jogadas, segredos… O povo acompanha tudo pela televisão.
E o segundo aspecto, confiar apenas na força mobilizadora do povo. Quantas mobilizações, marchas, acções de massas fizeram nesses anos? Incontáveis.
Agora, persistem problemas graves a que o governo precisa dar respostas, que é consequência da crise económica local e seus vÍ­nculos com a crise internacional do capitalismo, a dependência do petróleo, o descontrole do câmbio… E sobre isso não me atrevo a opinar, creio que nem Cristo e a Virgem Maria saberiam como enfrentar tantos problemas.
Mas a fórmula anterior pode ser o caminho, fazer um debate amplo com as massas. Talvez a assembleia constituinte seja um espaço onde se possa aprofundar também esse debate, dada a sua elevada representação e legitimidade popular.
Como militante de movimentos populares, brasileiro, vejo o legado de Chávez para a América Latina, sobretudo na sua visão de estadista e a sua prática permanente nos dois campos, a construção de processos de integração latino-americana, de governos, de espaços populares. Com ele nasceram as ideias de CELAC, de UNASUR, do banco do Sul, de Telesur, da ALBA:

Com ele construÍ­mos a ideia de uma articulação de movimentos populares para o projecto ALBA, mas autónomo, independente dos governos, embora também estivesse na ALBA.
O outro legado foi a sua visão de solidariedade latino-americana. Impressionava-me a ousadia de Chávez, nunca vacilou perante os golpes das Honduras, Paraguai. Nunca vacilou a ajudar Cuba, a Nicarágua.
Todos os paÍ­ses do Caribe, só podem andar de carro e ter luz eléctrica graças Í  solidariedade do povo da Venezuela, através do seu governo.
Na forma como se indignava contra qualquer injustiça em qualquer parte do mundo. Chávez foi um verdadeiro filho do Che. Poderia tê-lo sido biologicamente, nos tempos históricos, mas foi um filho dedicado, pela sua praxis quotidiana.
Retemos também de Chávez e do seu espÍ­rito a ideia do internacionalismo. Sempre comentava, João, como me tratava «precisamos de construir uma nova internacional dos povos». E agora, depois, da sua partida, está a materializar-se, com a convocatória de uma Assembleia Internacional de movimentos e organizações populares em todo o mundo. Já estamos a realizar encontros preparatórios em todos os continentes e em Março de 2018 faremos a assembleia em Caracas e iremos no acampamento da montanha prestar as nossas homenagens e nossas tarefas e ver o sorriso conspirativo do seu legado.
Apesar dos movimentos difÍ­ceis não são derrotas, são equilÍ­brios de forças no nosso continente, se confiamos na organização dos nossos povos, encontraremos as verdadeiras saÍ­das, mais cedo do que muitos pensam.

*Economista, membro da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da via camponesa do Brasil e da articulação de movimentos populares para uma assembleia internacional de forças populares

Tradução: Manuela Antunes

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