Feios, porcos, maus e poluentes*

Filipe Diniz    18.Feb.15    Colaboradores

O processo de concentração de enormes massas humanas em gigantescas metrópoles é um dos traços marcantes da situação presente em todos os continentes. Nessas grandes metrópoles, lugares de extrema desigualdade, trava-se uma intensa luta de classes. Os mais pobres são sujeitos a uma violenta ofensiva na disputa do território.

Foi com Engels que começámos a perceber quanto a questão da habitação é uma questão polÍ­tica central e quanto as cidades são espaço privilegiado da luta de classes. Quem ler o “Guardian” (“One Tower Bridge social housing tenants denied access to garden”, 7.02.2015) fica a saber que na Grã-Bretanha que Engels estudou há quase dois séculos o problema se coloca até no interior de um mesmo condomÍ­nio habitacional.

A luta de classes tem expressão no terreno: a segregação económica, social e cultural tem correspondência em diferentes formas de disputa e de segregação territorial. Na sociedade dividida em classes antagónicas os mais ricos e os mais pobres não estão destinados nem a partilhar o mesmo espaço urbano nem a partilhar um espaço urbano com idêntica qualidade.

É disso que fala esta notÍ­cia de Londres. Por condicionamentos legais ainda existentes, e para viabilizar um empreendimento de luxo, uma pequena parte dos fogos a construir terá de ser para arrendamento a preços controlados (“affordable”). A diferença é abissal: os apartamentos a preços de mercado serão vendidos por valores que variam entre os 1,45 milhões de libras e os 15 milhões.

Para evitar misturas, os arrendatários dos apartamentos “affordable” entram pelas traseiras e não têm acesso Í s áreas comuns (terraços ajardinados, ginásios, sauna, vistas privilegiadas sobre o Tamisa, etc.). De certa forma, é o fantasma da Inglaterra que Engels testemunhou que está presente. O elo que une condições históricas e sociais tão diferentes é ainda o mesmo: o capitalismo, que tudo transforma em mercadoria e de tudo quer retirar o máximo lucro. E como na sua dimensão financeira actual sobreproduz capital, investe-o na especulação desenfreada sobre o solo urbano e o sector imobiliário.

Especulação que contribuiu para o afundar numa crise da qual não saiu, mas que já floresce de novo em todas as grandes metrópoles, limpando do seu território tudo o que não dá lucro, a começar pelos homens e mulheres que entram pela porta das traseiras nos seus apartamentos “affordable”.

Mais dia, menos dia, hão-de arranjar forma de os pôr a andar. Tudo leva a crer que serão feios, porcos, maus e poluentes, como os carros antigos na Lisboa de António Costa.

*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2150, 12.02.2015

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