Ouro, chumbo, lata

Correia da Fonseca    22.Abr.12    Colaboradores

A “regra de ouro” que PS/PSD/CDS servilmente aprovaram na Assembleia da República, imposta pela senhora Merkel e seus cúmplices, é de tão difÍ­cil cumprimento para a quase totalidade dos paÍ­ses por ela acorrentados que bem podia ser designada antes por «a quimera do ouro». O tal défice de 0,5% só será atingido mediante a incineração final do exageradamente chamado “Estado Social”. Para o acatamento da regra será necessário travar praticamente todos os processos de redistribuição dos rendimentos do Estado em favor das camadas mais desprotegidas das populações e mesmo eliminar a satisfação de alguns dos seus direitos elementares. Assim a dita «regra de ouro» se transformará em regra de chumbo que arrastará os povos para o fundo da desgraça.

1. Chamaram-lhe «a regra de ouro», presumivelmente para que a designação sugerisse Í  gente crédula que se tratava do preceito que conduziria todos e cada um dos paÍ­ses do euro para uma espécie de paraÍ­so orçamental onde não mais haveria défices embaraçosos, dÍ­vidas, fantasmas dos chamados incumprimentos. Para mais, era uma fórmula com grande poder publicitário, pois nada melhor para maravilhar os povos que falar-lhes do ouro, esse secular mito que tem atravessado os séculos sempre manchado de sangue, sempre convivente com a morte, sempre a adornar o trono dos reis e os altares dos deuses. Assim, engendraram um tratado multinacional que, retirando a cada povo um pouco mais da sua soberania já reduzida a escombros, impõe o limite de 0,5%, isto é, praticamente zero, ao seu orçamento.
Foi a esse objectivo que quiseram chamar «a regra de ouro», porventura para enganar os basbaques e lubrificar a sua aceitação nos paÍ­ses eventualmente menos passivos e obedientes; e foi assim que a regra nos apareceu na televisão pela boca dos sábios e seus correlativos que, como se sabe, são agora tanto ou mais omnipresentes na TV quanto os comentadores dos futebóis.

2. Acontece, porém, que a regra cuja invenção é atribuÍ­da, com razão ou sem ela, aos boches liderados pela senhora Merkel e seus cúmplices é de tão difÍ­cil cumprimento para a quase totalidade dos paÍ­ses por ela acorrentados que bem podia ser designada antes por «a quimera do ouro», o que pelo menos teria o mérito de implicar uma homenagem ainda que involuntária ao já um pouco esquecido Charlie Chaplin. É que em muitos casos, se não em todos, e nas circunstâncias actuais, o tal défice de 0,5% só será atingido mediante a incineração final do chamado Estado Social, designação esta que de resto é um exagero talvez adoptado para, mais uma vez, enganar as gentes, pois a tarefa de ludibriar povos inteiros não é coisa fácil, exigindo uma aplicação permanente que atinja todos os recantos não só da realidade mas também da linguagem. De facto, para o acatamento da regra será necessário travar praticamente todos os processos de redistribuição dos rendimentos do Estado em favor das camadas mais débeis das populações (entenda-se: das mais duramente exploradas no quadro do modelo sócio-económico do capitalismo) e mesmo eliminar a satisfação de alguns dos seus direitos elementares. Assim a dita «regra de ouro» se transformará em regra de chumbo que arrastará os povos para o fundo das águas pútridas da desgraça.

3. Mesmo na nossa querida televisão, sempre suficientemente disponÍ­vel para dar credibilidade a quanto contra o povo se estabeleça, se ouviu falar em inevitável estrangulamento em consequência da aceitação da «regra de ouro» imposta por tratado e aceite por votação parlamentar ali em São Bento. Contudo, não será de mais dizer que a maioria das vozes doutas que a TV nos deu a ouvir acerca do assunto veio apoiar a votação parlamentar de aceitação Í  corda que se destina a estrangular-nos. Dir-se-ia então que a regra dita «de ouro» e que será antes «de chumbo» se transmuta em «regra de lata», pois parece necessária uma grande lata para vir a público recomendar a aceitação de um compromisso impossÍ­vel de cumprir ou, na alternativa, tendencialmente funesto para a maioria do povo português.
Ainda assim, porém, não será caso para enorme espanto: por inexplicável e decerto injusta associação de ideias, este triste episódio faz lembrar um verso de Camões onde o poeta lembra que «entre os portugueses» também «algumas vezes» houve um certo tipo de gente. Para não agravar melancolias, o melhor será esquecer esta memória e, preferentemente, lembrar as vozes de João das Regras e de Febo Moniz, mais reconfortantes para o nosso orgulho de portugueses, vozes sem dúvida patrióticas. Sendo embora talvez excessivo dizer que foram «de esquerda».

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