Petróleo e Malvinas no debate pela soberania

Júlio C. Gambina*    09.Mar.10    Colaboradores

Júlio Gambina“A polémica sobre as Malvinas reacendeu-se Í  volta de um tema estratégico: a exploração petrolÍ­fera. A notÍ­cia remete para os investimentos ingleses nas ilhas argentinas usurpadas pelo Reino Unido e para a decisão do governo argentino de impedir o transporte de material associado a essa exploração”.

A polémica sobre as Malvinas reacendeu-se Í  volta de um tema estratégico: a exploração petrolÍ­fera. A notÍ­cia remete para os investimentos ingleses nas ilhas argentinas usurpadas pelo Reino Unido e para a decisão do governo argentino de impedir o transporte de material associado a essa exploração. Esta medida governamental baseia-se no incumprimento inglês dos acordos diplomáticos entre ambos os paÍ­ses. Esses acordos funcionaram entre 1995 e 2007 e foram reiteradamente incumpridos pelas licitações de áreas petrolÍ­feras a que a Inglaterra se habilitou nas Malvinas.

Os factos e as declarações em cada paÍ­s motivam as mais diversas especulações no ambiente eleitoral britânico, incluindo o belicismo no melhor estilo Thatcher de 1982, mas o importante é a discussão sobre a utilização soberana dos recursos naturais, tema este que transcende a exploração de hidrocarbonetos e se projecta na exploração mineira, da terra e da produção agrÍ­cola e pecuária, especialmente em tempo de subida dos preços da alimentação e de deterioração do poder de compra dos sectores de menores rendimentos.

O capital sem fronteiras

A questão está nas concessões de prospecção e exploração de jazidas no mar argentino. Trata-se de actividade de empresas transnacionais com um potencial de 200 mil milhões de barris de petróleo.

Não é inútil recordar o peso estratégico da produção petrolÍ­fera nas condições do modelo de produção vigente e o facto da Argentina ser dos poucos paÍ­ses que não administra soberanamente as reservas petrolÍ­feras. Noventa por cento das reservas mundiais de petróleo são administradas pelos Estados nacionais, sendo evidente que também se verifica dependência da actividade produtiva das corporações privadas que dominam o pacote da tecnologia, comercialização, financiamento e transporte do petróleo. Não chega a soberania sobre as jazidas, porque o pacote tecnológico do know-how da prospecção, exploração e distribuição dos hidrocarbonetos é estratégico. É todo um tema para meditar a questão energética sob um ponto de vista alternativo, pois não só se trata de recuperar a petrolÍ­fera estatal, como também de articular um trabalho cientÍ­fico e técnico no quadro da cooperação e integração regional.

O episódio que comentamos junta a empresa Desire Petroleum e um dos seus principais accionistas, o banco Barclays, entidade financeira organizadora que foi seleccionada pelo governo argentino para a reabertura da negociação da dÍ­vida externa em cessação de pagamentos. Trata-se de uma combinação de dois temas centrais, a exploração petrolÍ­fera e a negociação dos créditos externos. Convenhamos que a questão envolve parceiros locais da parte inglesa, já que o suspenso embarque de tubagem sem costura provinha da empresa Techint. Este consórcio actua na exploração petrolÍ­fera em território argentino através da Tecpetrol e cabe perguntar se os planos de exportação da Techint não capacita a actuação do grupo para a exploração petrolÍ­fera no nosso paÍ­s.

Trata-se de um raciocÍ­nio extensivo Í  actividade petrolÍ­fera inglesa do Barclays e da banca britânica, como de todas as empresas estrangeiras, especialmente inglesas, que operam no paÍ­s. Recordemos que existem disposições da Secretaria da Energia que proÍ­bem expressamente operar na plataforma continental argentina sem a habilitação de uma autoridade competente do nosso paÍ­s, situação que inclui as empresas “controlantes, controladas, accionistas e associadas”.

Pensar e actuar soberanamente

Trata-se de questões a considerar no quadro da recrudescida crise da economia mundial, onde se discute a questão fiscal da Europa, o défice dos Estados europeus e o seu financiamento pela banca europeia. A resposta do capital e dos Estados hegemónicos Í  crise passa pelo ajustamento das contas públicas em prejuÍ­zo dos salários e da despesa social do Estado e por uma nova escalada da ofensiva do capital pela expansão da exploração da força de trabalho e dos recursos naturais.

É tempo de pensar na administração soberana da economia, na soberania alimentar, energética e financeira. O que propomos é combinar acções diplomáticas com um debate sobre a soberania da ordem económica local. Será utópico pensá-lo, quando a tendência é para a alta do preço do petróleo, das taxas de juro (agora aumentadas pela Reserva Federal dos EUA) e dos preços dos recursos naturais? O debate não é inútil, sobretudo quando o paÍ­s está a negociar o tratado de livre comércio entre o Mercosur e a Europa para o subscrever em Maio, nas comemorações do bicentenário.

A questão é que não se trata de discussões distintas, visto que o livre comércio que afecta e continuará a afectar a debilitada indústria local é parte da estratégia ofensiva do capital mundial pela expansão da sua actividade no âmbito dos recursos naturais, das finanças e do comércio.

O que sugerimos é a oportunidade para discutir a organização económica local na base da soberania, agora que se acaba de anunciar o funcionamento da articulação entre o Ministério da Economia e o Banco Central para redefinir o “modelo de produção” resultante da cessação dos pagamentos de fins de 2001 e da desvalorização de inÍ­cios de 2002. Foi daÍ­ que resultou o grande crescimento económico dos últimos anos. Defende-se agora que, além do dólar alto, faz falta financiamento para aumentar o investimento e a acumulação.

Argumentamos que não interessa engordar o mesmo modelo de produção. É necessário avançar noutra direcção, onde o eixo seja a soberania e a satisfação das necessidades sociais que estão na base da grande pobreza na Argentina.


* Júlio Gambina, amigo e colaborador de odiario.info, é Professor de Economia PolÍ­tica na Faculdade de Direito da Universidade Nacional de Rosário

Este texto foi publicado em www.lahaine.org

Tradução: Jorge Vasconcelos

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