Zapatero, de esquerda?

Carlos Taibo*    05.Jul.07    Outros autores

Por força de hábito, para evitar males menores e pelo discurso ultramontano do PP, são muitos os desiludidos com a polÍ­tica de direita continuada pelo PSOE, com a democracia representativa e que, para evitar o que pensam serem males maiores, se vão abster ou se preparam para votar no PSOE.

Até agora, o ultramontano discurso adoptado pelo Partido Popular resulta, suceda o que suceder, numa bênção divina para o seu principal rival polÍ­tico: o Partido Socialista ora no governo. E a verdade é que, por muito que mereça atenção o facto dos populares conservarem importantes apoios, e nalguns casos, os tenham aumentado, a aposta do PP facilita o cerrar de fileiras Í  volta do PSOE, convertido, aos olhos de uns tantos, numa espécie de mal menor, face ao arrebatamento da direita montanheira. A isso somam-se duas circunstâncias: se, por um lado, são muitos os cidadãos que não conseguem vislumbrar onde está o caos generalizado – o fracasso do processo de paz não dá para tanto – que Mariano Rajoy identifica porfiadamente nas suas proclamações, por outro os partidos de esquerda que apoiam parlamentarmente o PSOE parecem ter voltado a suas crÍ­ticas para aquele partido.

Num cenário tão singular assentam as ilusões ópticas. A primeira aceita de bom grado que o projecto do presidente RodrÍ­guez Zapatero se tenha claramente situado Í  esquerda. Ainda que leis como as relativas ao matrimónio de homossexuais ou Í  dependência convidem a tal conclusão, a esmagadora maioria dos dados indicam o caminho contrário. AÍ­ estão para o testemunhar o autêntico perÍ­odo de ouro dos lucros empresariais, o descarado aproveitamento dos activos que derivam da docilidade sindical, um discreto assobiar para o lado quando pelo meio está um negócio de ladrilhos, a muda aceitação desse inaceitável mito contemporâneo que é a competitividade, o acatamento dos ditames que emanam de filantrópicas instituições como o Fundo Monetário ou a Organização Mundial de Comércio ou, finalmente, o ostensivo incumprimento das exigências do protocolo de Kyoto.

Mas aÍ­ também está uma polÍ­tica externa que, após a retirada dos soldados presentes no Iraque, não apresentou nenhum sinal que leve a concluir que entre os nossos governantes se preveja algum desÍ­gnio de romper as amarras com uma relação histórica de submissão aos Estados Unidos: o próprio PSOE, que em Março se juntou Í s manifestações por ocasião do quarto aniversário da agressão norte-americana ao Iraque, prefere que esqueçamos o redimensionamento dos soldados no Afeganistão e, também, a presença em território espanhol de duas bases, Morón e Rota, vitais para o dispositivo militar estadunidense. Alguém pensa seriamente que há um qualquer modelo, credivelmente inovador, numa Aliança de Civilizações que pretenda que esqueçamos que as principais fissuras no mundo contemporâneo não apontam para o plano cultural-civilizatório mas, antes para o das relações económicas e militares? Que dizer, finalmente, do idolatrado tratado constitucional da UE, produto de um pacto, que ingenuamente classificaremos de contra natura, entre conservadores, liberais e socialistas?

A decisão de fechar os olhos Í  realidade é o cimento da segunda das ilusões ópticas: a que faz esquecer que os protestos do Partido Popular frequentemente atingem os seus efeitos com significativas renúncias das polÍ­ticas governamentais. É difÍ­cil encontrar outra resposta para explicar como em 2006 o governo socialista não deu qualquer passo no que concerne ao mencionado processo de paz no PaÍ­s Basco; deixa muita gente perplexa que José Blanco repita incansavelmente que ao longo do último ano, quando havia que dar o passo, foi quando juÍ­zes e polÍ­cias fizeram o seu trabalho mais rigorosamente. Neste caso há que substituir a continuidade em relação Í  época Aznar na polÍ­tica económica, a marcha-atrás no que se refere aos fluxos migratórios e um sem fim de medidas de polÍ­tica externa de polÍ­tica externa que obedecem ao desÍ­gnio de não partir loiça. Por isso, mais parece que o governo está mais inclinado em calar os protestos do que em levar por diante um projecto de que, com toda a evidência, carece.

No meio de tanto desaforo desenvolve-se o irritante cortejo da confusão eficientemente espoletada por essa praga contemporânea de comentadores e painéis de rádios e televisões. Num magma de papéis difusos e alternados, o PP consegue que muitos dos seus propósitos s concretizem, se bem que realizados por outros, enquanto que, pelo menos provisoriamente, o PSOE se mantém no poder Í  custa da renúncia a qualquer perspectiva de mudança. Entretanto, muitos cidadãos são obrigados a dar por bom o que facilmente se intui não os satisfazer. Pense-se nesses abstencionistas históricos que, inequivocamente situados Í  esquerda, se preparam para votar uma vez mais em Rodriguez Zapatero com um único objectivo: o de evitar males maiores.

* Carlos Taibo é professor de Ciências PolÍ­ticas na Universidade Autónoma de Madrid.

Este artigo foi originalmente publicado em La Vanguardia

Tradução de José Paulo Gascão

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