Mariposas, a eterna luta pela igualdade

Lúcia Gomes    27.Nov.18    Outros autores

No passado sábado centenas de pessoas incluindo membros do governo PS manifestaram-se contra a «violência sobre as mulheres». Eduardo Cabrita, um dos manifestantes, sendo contra essa violência, não pratica o mesmo princÍ­pio se se tratar da violência sobre estivadores em greve. Ou outras correntes «feministas» presentes, que são ao mesmo tempo defensoras da aprovação de uma lei que permita que os proxenetas explorem livremente as mulheres na prostituição, consagrando uma milenar forma de violência e de exploração.

Patria, Minerva, Maria Teresa, três das quatro irmãs Mirabal, que a 25 de Novembro foram brutalmente assassinadas por Rafael Trujillo, ditador dominicano. Assumidamente antifascistas, lutaram contra a opressão e empobrecimento das camadas trabalhadoras e por isso foram presas e torturadas, repetidamente, até Í  sua bárbara execução. E é em honra a elas que se instituiu o Dia Internacional para a Erradicação da Violência sobre as Mulheres.

Não é a primeira vez que aqui me detenho sobre a moda do feminismo. Uma quinta vaga, talvez. Um feminismo pop que se desliga das razões polÍ­ticas de fundo das desigualdades e repete palavras de ordem, agora transformadas em slogans, mas que trazem consigo pouca ou nenhuma transformação.

Se, por um lado, seria positivo celebrar a chegada Í  luta de quem nunca lá andou, por outro lado causa-me um mal-estar que me é de difÍ­cil descrição - esta forma leve e despudorada com que se grita igualdade ao mesmo tempo que se tomam medidas que aprofundam a desigualdade.

Foi, por isso, com algum espanto que li esta notÍ­cia que dá nota de centenas de pessoas a marchar, assinalando o dia. Entre elas ministros como Eduardo Cabrita, ministras, secretárias de estado, enfim, algo que não é comum - ver o governo não a manifestar-se mas a marchar.

Mas o meu espanto é um presente envenenado. A desfaçatez com que se agarra um pano exigindo igualdade contrasta com a acção ordenada por Cabrita que manda a polÍ­cia carregar sobre estivadoras no porto de Setúbal que defendiam os seus postos de trabalho. Com o encerramento de dezenas de tribunais que afastaram as mulheres da defesa judicial dos seus direitos ou com um código das custas judiciais que as impede de se divorciarem ou regularem responsabilidades parentais, de apresentarem queixas por violência doméstica (neste último caso, requisito essencial para obter o estatuto de vÍ­tima e beneficiar da isenção) porque não têm dinheiro para o fazer (e a lei só concede apoio judiciário a quem seja praticamente indigente.

Desfaçatez que contrasta com a tomada de zero medidas de prevenção contra a violência no trabalho, seja ela moral seja ela sexual, com a tolerância total com as desigualdades salariais, com o desinvestimento de meios na Autoridade para as Condições do Trabalho (e as trabalhadoras do sector bancário que o digam, cada queixa por assédio moral, cada arquivamento).

Mais do que desfaçatez, a total falta de vergonha daquelas que, como Catarina Martins ou militantes do Bloco de Esquerda e da Umar se batem (e desunham) pela aprovação de uma lei que permita que os proxenetas explorem livremente as mulheres na prostituição, perpetuando estereótipos de dominação masculina sobre o corpo e mente das mulheres e a mercantilização das suas vidas.

Desfaçatez de quem se diz feminista porque é mulher (e pronto, é bastante) e põe na mesma prateleira a Assunção Cristas e a operária corticeira sobre quem nunca sequer foram Capazes de falar. Ou das operárias da Triumph (são todas iguais, mas só se não trabalharem em fábricas).

Que marchem, é um bom princÍ­pio. Mas que então que digam exactamente ao que vêm. É que ter o governo a marchar significa que as suas polÍ­ticas não são suficientes e estão a falhar.

Aproveitem pois a oportunidade de deixarem o seu casulo do privilégio e comecem a voar pela realidade - a realidade que eles e elas constroem e apoiam e que foi objecto de luta das irmãs Mirabal - a luta contra a opressão, o empobrecimento da classe trabalhadora, as discriminações.

Tenho as maiores dúvidas que neste caso, as mortas estivessem hoje ao seu lado.

Fonte:http://manifesto74.blogspot.com/2018/11/mariposas-eterna-luta-pela-igualdade.html

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