Crime, anunciam eles

Agostinho Lopes    25.Ene.21    Outros autores

Nem as eleições presidenciais nem o estado da pandemia permitem que se passe em claro outros acontecimentos e decisões que colocam em causa o futuro do paÍ­s. Um cuja denúncia continua a ser urgente é o encerramento da Refinaria da Galp em Matosinhos. “Um crime económico e social. Um crime contra a economia do paÍ­s, contra a soberania energética nacional, contra a região, contra os seus trabalhadores… e, imagine-se, até um crime ambiental!”

É preciso gritar, é preciso escarrapachar em todos os jornais, é preciso pintar em muros e paredes: o encerramento da Refinaria da Galp em Matosinhos é um crime económico e social. Um crime contra a economia do paÍ­s, contra a soberania energética nacional, contra a região, contra os seus trabalhadores… e, imagine-se, até um crime ambiental! Toda a argumentação que suporta o crime assenta em refinadÍ­ssimas mentiras de refinados mentirosos: a administração da Galp, os seus accionistas maioritários (Grupo Amorim) e o Governo na figura do ministro do Ambiente, o descarbonizador. O “contexto regulatório europeu”, os “efeitos da pandemia de Covid-19” e etc. são tretas para boi dormir. Tudo o que se conhece de documentos da Galp e do Estado é a da excelência ambiental e climática da Galp/Matosinhos. Melhor que Sines… Mentem com quantos dentes têm. Negam o que disseram em Outubro passado: um “ajustamento operacional planeado” que se traduziria apenas na “suspensão temporária da produção de combustÍ­veis”. Negam o que escreveram há menos de um ano no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, Position Paper, elaborado pela Galp (Fevereiro 2019), onde além de crÍ­ticas a uma descarbonização apressada e o levantar de outras justas questões, afirmaram: “a) Os hidrocarbonetos continuarão a ser fundamentais durante as próximas décadas para garantir a segurança energética nacional; b) As refinarias são unidades industriais de processamento de petróleo bruto, que dão origem a um vasto conjunto de produtos derivados de múltiplas utilizações, não sendo possÍ­vel a produção seletiva AGOSTINHO LOPES Membro do PCP A PROPÓSITO de apenas alguns produtos. Um modelo que ponha em causa a viabilidade da atividade refinadora em Portugal terá um forte impacto negativo na balança comercial do paÍ­s, reduzirá a segurança energética nacional, e conduzirá Í  importação de produtos petrolÍ­feros para satisfação dos mercados existentes, sem benefÍ­cios globais ao nÍ­vel das emissões de carbono.” Então como é? Como é possÍ­vel atreverem-se a escrever o que agora serve para justificar o crime? Talvez o subsÍ­dio público de quase 200 milhões de euros para a “transição justa” faça milagres! E é notável que aqueles que anunciaram agora querer uma “reindustrialização”, que são os mesmos que através da polÍ­tica de décadas de direita, os sucessivos governos PS, PSD e CDS, o desindustrializaram – a sua última malfeitoria foi a CIMPOR – acordarem todos com a destruição destes importantes activos industriais, financiados por dinheiros públicos, e os que se poderão seguir, por dependência de matérias-primas produzidas pela Galp, de que é exemplo o complexo de Estarreja. E fica um aviso sério. Quando a União Europeia anuncia, com que concordam os anteriores ‘reindustrializadores', a exigência da reindustrialização da Europa, da recuperação da localização das cadeias de valor no interior do espaço comunitário, não está a falar de empresas industriais/cadeias de valor em Portugal. Como é cristalino no encerramento de refinarias em Portugal – mesmo que elas tenham brilhantes desempenhos ambientais – para que se mantenham noutros Estados-membros. Ou o fecho da Central Termoeléctrica de Sines – o crime perpetrado a semana passada – para que a Alemanha, a Polónia e outros as possam manter… e até inaugurar novas! E até estão dispostos a pagar para isso. E é também, e ainda, a divisão europeia de trabalho, oleada pelo euro, em acção…

Fonte: Jornal Económico, 22.01.2021

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