Seyed Hossein Mousavian: O Ocidente Está a Empurrar o Irão na Direcção Errada

Ali Vaez    09.Dic.11    Outros autores

Sayed Hossein MousavainSeyed Hossein Mousavian afirma que a IAEA [1] “quebrou as regras” quando trouxe a público um relatório sobre o programa nuclear do Irão que deveria ter sido mantido confidencial. Na verdade, diz Mousavian, o relatório representa um passo atrás nas tentativas de negociação do programa nuclear iraquiano. Para acalmar as preocupações em torno do programa, afirma, o Ocidente precisa de se entender com o Irão em dois caminhos negociais: num deles, o Concelho de Segurança da ONU e a Alemanha negociariam um desfecho que permitisse ao Irão enriquecer urânio, garantindo no entanto que nenhuma parte seria utilizada para fins militares. No outro, os EUA e o Irão discutiriam directamente um pacote completo de medidas dirigidas a resolver a “longa lista de problemas” que tem dividido os dois paÍ­ses e frustrado as tentativas de resolver a questão nuclear.

Sayed Hossein Mousavain, leitor e investigador na Woodrow Wilson School of Public and International Affairs de Princeton é figura de topo da elite polÍ­tica do Irão a viver nos EUA. Foi conselheiro próximo de muitas figuras-chave da cena polÍ­tica iraniana, desde o antigo presidente moderado Akbar Hashemi Rafsanjani e o antigo presidente reformista Mohammad Khatami até ao antigo parlamentar Ali Akbar Nategh-Nouri e o antigo lÍ­der das negociações da questão nuclear e actual lÍ­der parlamentar do Irão, Ali Larijani. Algumas dos cargos de que foi detentor nas últimas duas décadas incluem: porta-voz da equipa iraniana de negociadores da questão nuclear (2003-2005); chefe do comité de relações externas do Conselho de Segurança Nacional do Irão (1997-2005); e Embaixador do Irão na Alemanha (1990-1997). Numa conversa com Ali Vaez, Director do Projecto Iraniano na Federation of American Scientists, Mousavian partilha a sua primeira reacção em público sobre o recente relatório emitido pelo IAEA relativo ao programa nuclear iraniano. E propõe um caminho diplomático de duas vias para abordar o impasse nuclear iraniano e atingir um compromisso entre o Irão e os EUA.
Vaez: O recente relatório do IAEA sobre o programa nuclear do Irão trouxe a público muitos pormenores sobre a possÍ­vel dimensão militar das operações nucleares de Teerão. Segundo a minha leitura, não continha informações novas. No entanto, a reacção de Teerão foi dura e os lÍ­deres iranianos classificaram o relatório de “desequilibrado” e “com motivações polÍ­ticas”, acusando Yukiya Amano, Directora-geral da IAEA de ser um “peão” do Ocidente. Em 2008, o Irão havia respondido Í  maioria destas alegações numa resposta de 117 páginas Í  IAEA. A publicação desta resposta seria certamente uma atitude mais construtiva do que toda esta indignação relativamente Í  IAEA?
Mousavian:
A IAEA, infelizmente, quebrou as regras do jogo. O Irão não quer cometer o mesmo erro. As questões entre a Agência e os estados-membros devem permanecer confidenciais. O Irão respeita as regras e não divulga as suas comunicações com a Agência. No entanto, o conteúdo dos relatórios da IAEA sobre o Irão foram divulgados pela imprensa antes de chegarem aos outros estados membros da Agência. Isso é uma grande falta de profissionalismo e é contrário aos estatutos da Agência. Tal comportamento é altamente prejudicial para a credibilidade da IAEA, na sua qualidade de órgão imparcial internacional. Também demonstra claramente que a informação é imposta Í  Agência de algum outro ponto, com o objectivo de aumentar a pressão sobre o Irão. A publicação dessas alegações foi um significativo passo atrás.

Vaez: Na esteira da publicação do relatório da AIEA e da reunião do Conselho de Administração da Agência, o Parlamento Iraniano começou a analisar as opções para reduzir a cooperação de Teerão com a IAEA. Existe um risco de que o Irão se retire do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP)?
Mousavian:
Creio que deixar o TNP é uma possibilidade pouco provável, mas sem dúvida que o relatório prejudicou as relações do Irão com a IAEA. Os recentes desenvolvimentos constituem mais um capÍ­tulo na longa história dos enganos do Ocidente acerca do Irão. O Ocidente tem constantemente recorrido Í  pressão crescente sobre Teerão, sem ponderar sobre a consequente reacção. Após a revolução de 1979, o Irão tentou reduzir o programa nuclear e não tinha a intenção de proceder ao enriquecimento do seu urânio.
No entanto, os alemães, os franceses e os norte-americanos recusaram-se a respeitar os seus compromissos contratuais, abandonaram os nossos projectos nucleares que estavam por concluir, rejeitaram as nossas reivindicações de compensação, e negaram-nos o combustÍ­vel nuclear. Portanto, o Irão não tinha outra opção senão pegar no problema com as suas próprias mãos e rumo Í  auto-suficiência.
Esta não foi de modo nenhum uma acção isolada. O Ocidente forneceu a Saddam Hussein armas quÍ­micas e biológicas, que ele usou impunemente contra os iranianos. Tendo sido as primeiras vÍ­timas de armas de destruição em massa desde a Segunda Guerra Mundial, o Irão sentiu-se compelido a desenvolver capacidades de dissuasão quÍ­micas e biológicas. A mesma lógica aplica-se ao programa iraniano de mÍ­sseis balÍ­sticos, que foi criado para responder aos mÍ­sseis de longo alcance iraquianos fornecidos pelo Ocidente. Portanto, poderá localizar a génese das actuais capacidades de dissuasão militar iranianas no sentimento de isolamento que Teerão viveu durante a Guerra Irão-Iraque. É por isso que eu acredito que, inadvertidamente ou não, o Ocidente sempre empurrou o Irão na direcção errada.

Vaez: Você fez parte da equipa de negociadores iranianos que, em 2003, chegou a um acordo com a UE-3 (França, Grã-Bretanha e Alemanha), que reduziu a tensão entre o Irão e o Ocidente e trouxe a implementação do Protocolo Adicional (para melhor garantir a salvaguarda da IAEA) e a suspensão do enriquecimento de urânio no Irão. É possÍ­vel um avanço diplomático semelhante, nesta conjuntura?
Mousavian:
Quando a questão da suspensão se colocou, em 2003, havia duas escolas de pensamento no Irão. Um grupo defendia o envolvimento com o Ocidente, enquanto outros defendiam que se devia resistir. A maioria estava com os que defendiam um compromisso negociado com o Ocidente. Consequentemente, o lÍ­der supremo Aiatola Ali Khamenei permitiu uma suspensão temporária como medida juridicamente não vinculativa que permitisse estabelecer a confiança. Mas desconfiava das intenções do Ocidente e manteve-se céptico sobre a capacidade dos paÍ­ses europeus de cumprir a sua parte do acordo. Ainda assim, fomos mesmo para além da suspensão e voluntariamente assinámos e implementámos o Protocolo Adicional e os acordos subsidiários, e permitimos Í  IAEA um acesso sem precedentes Í s nossas instalações nucleares e até mesmo bases militares.
Após dois anos de plena cooperação e esforços de transparência por parte de Teerão, os europeus não conseguiram cumprir as suas promessas por causa da obstrução americana. Como resultado deste impasse, o LÍ­der Supremo pôs cobro a esta situação. O aparelho do poder preparou o paÍ­s para pesadas sanções e até mesmo a guerra, e então o Irão suspendeu a aplicação do Protocolo Adicional, quebrou os selos da IAEA, e reiniciou as nossas actividades de refinamento de urânio. É importante notar que o Irão retomou algumas actividades (i.e., a conversão de urânio no Centro de Conversão de Urânio de Isfahan, durante a presidência do reformista Mohammad Khatami) e reiniciou outros programas, nomeadamente o enriquecimento de urânio em Natanz, sob a presidência de Mahmoud Ahmadinejad. Desde então, não houve nenhuma medida do Ocidente que estabelecesse a confiança e, assim, o Irão não vê razão para alterar a sua polÍ­tica.

Vaez: Este jogo de culpa é uma faca de dois gumes. O governo iraniano não apenas se recusa a cumprir as resoluções do Conselho de Segurança da ONU como ainda emprega uma retórica vazia, gabando-se das suas conquistas nucleares. Porquê tanto barulho a propósito da construção de dez novas instalações de enriquecimento de urânio, quando não conseguem sequer manter a taxa de produção das suas centrifugadoras actuais?
Mousavian:
Concordo que são precisos dois para dançar o tango. Mas analisemos os acontecimentos dos últimos três meses para entender melhor a postura de ambos os lados. Primeiro, o Irão autorizou uma equipe da IAEA liderada pelo vice-director general Herman Nackaerts a visitar as instalações de águas pesadas do Irão e produção de centrifugadoras e centros de pesquisa e desenvolvimento. Esta iniciativa vai para além do Protocolo Adicional. Durante esta visita, o chefe da Organização Iraniana de Energia Atómica, Fereydoun Abbasi, informou pessoalmente Nackaerts da receptividade do Irão para colocar o programa nuclear do paÍ­s sob “plena supervisão da IAEA” por cinco anos, se as sanções contra o Irão fossem levantadas.
O segundo desenvolvimento foi a oferta de Ahmadinejad, durante a sua viagem a Nova York para participar na reunião anual da Assembleia Geral das Nações Unidas. Ele assinalou a disponibilidade do Irão para cessar imediatamente o enriquecimento de urânio em 20%, se for fornecido ao Irão combustÍ­vel para o Reactor de Pesquisa de Teerão. Esta foi uma atitude extremamente importante para demonstrar que o Irão não pretende urânio altamente enriquecido. O embaixador do Irão na IAEA e o ministro das Relações Externas reiteraram a oferta inúmeras vezes nas semanas seguintes. Finalmente, o terceiro gesto de boa vontade por parte do Irão, a libertação de dois norte-americanos acusados de espionagem, após dois anos de prisão no Irão. É fundamental observar que nenhuma dessas iniciativas poderia ter visto a luz do dia caso o LÍ­der Supremo não tivesse dado luz verde para a sua implementação.
Analisemos agora a reacção do Ocidente a esta abertura por parte do Irão. Os Estados Unidos acusam o Irão de conspirar para assassinar o embaixador saudita em Washington, com base em provas duvidosas. A União Europeia expandiu sua lista de sanções ao Irão, incluindo a acusação a 29 agentes de “violações dos direitos humanos.” O Congresso dos EUA propõe novos projectos-lei para impor mais sanções unilaterais ao Irão e proibir os diplomatas dos EUA de comunicar com os seus homólogos iranianos. E, finalmente, a IAEA divulgou o seu mais contundente relatório sobre a alegada dimensão militar das actividades nucleares do Irão, no meio da histeria dos média internacionais.
Considerando tudo isto, será realista esperar que os lÍ­deres iranianos confiem nos paÍ­ses ocidentais e nas suas intenções? Na realidade, o Ocidente está a pressionar o Irão a fechar a porta Í  diplomacia na questão nuclear, temendo que se trate de um pretexto para a mudança de regime. Este caminho, infelizmente, levará a confrontos.

Vaez: O que actualmente se diz em Washington é que o Irão não está a responder Í  pressão, mas que responderá a uma pressão mais intensa. Parece que a mentalidade dos decisores polÍ­ticos é que, aumentando as sanções e a pressão, o Irão eventualmente mudará a sua posição. Esta é uma estratégia realista e eficaz?
Mousavian:
Os EUA têm vindo a prosseguir uma estratégia dúplice no Irão desde há muito tempo. Esta polÍ­tica não produziu, no entanto, quaisquer frutos, já que os esforços de envolvimento foram muito ténues, enquanto as medidas punitivas foram bem reais. A Administração Obama impôs a Teerão as piores sanções da história das relações entre o Irão e os EUA, ao mesmo tempo que diminui as relações diplomáticas, em relação Í  Administração Bush, em assuntos de interesse comum, tais como o Iraque ou o Afeganistão. Na verdade, o Irão está sob maior pressão do que a Coreia do Norte, que se retirou do TNP e até testou armas atómicas.
No entanto, as sanções não vão nunca mudar a estratégia nuclear iraniana. Os governantes norte-americanos devem verificar os factos. Desde que o Conselho de Segurança das Nações Unidas impôs sanções ao Irão em 2006, o número de centrifugadoras aumentou oito vezes. O Irão está agora a enriquecer urânio a dois nÍ­veis (3,5% e 20%) e revelou as suas novas e mais sofisticadas centrifugadoras. Em vez de um centro de enriquecimento, como tinha em 2006, o Irão possui agora dois centros. Portanto, as sanções apenas intensificaram a resistência do Irão. Além disso, o facto das sanções unilaterais dos EUA não serem facilmente reversÍ­veis exacerba o cepticismo do Irão sobre as verdadeiras intenções de Washington por detrás das sanções e retira todos os incentivos para a cooperação com o Ocidente.

Vaez: Dada a ineficácia a curto prazo das sanções e das consequências a longo prazo de uma acção militar, a diplomacia continua a ser a única opção viável. Acha que foram esgotados todos os meios diplomáticos?
Mousavian:
Apesar de todas as desilusões, o Irão nunca fechou a porta Í  diplomacia. Mesmo sob o governo de Mahmoud Ahmadinejad e da sua controversa narrativa de negação do Holocausto, o Irão tem feito várias propostas de abertura ao Ocidente. O Presidente Ahmadinejad escreveu oficialmente cartas aos presidentes Bush e Obama, mas não obteve resposta. Em 2007, o principal agente das negociações nucleares iranianas, Ali Larijani, assinou um acordo de modalidade com o então director-geral da IAEA, Mohamed ElBaradei, de acordo com o qual o Irão clarificou todos os assuntos pendentes, incluindo os estudos sobre alegadas armas nucleares. Independentemente do nÍ­vel de cooperação e de aberturas por parte do Irão, os esforços de Teerão nunca foram suficientes para Washington.
Acredito que deve haver uma abordagem em duas vertentes para chegar Í  diplomacia. Há dois pacotes que devem ser preparados em paralelo. O primeiro deve ser negociado entre o Irão e os cinco membros do Conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha, ou P5 +1, para resolver a questão nuclear. Os seguintes critérios devem ser considerados essenciais para o sucesso dessas negociações: primeiro, o objectivo final deve ser claro desde o inÍ­cio. Para o Irão, o resultado ideal é o reconhecimento ocidental do direito do Irão a enriquecer urânio sob o TNP. Para o Ocidente, o resultado deve ser a máxima transparência e cooperação do Irão, de acordo com o TNP. Se a suspensão do enriquecimento for o objectivo do Ocidente, o impasse vai persistir. Cerca de 8 000 centrifugadoras estão em actividade no Irão. É irrealista esperar que os iranianos fechem as suas instalações e peçam a milhares de cientistas, engenheiros e técnicos para cruzar os braços. O Ocidente tem que perceber que a galinha dos ovos de ouro acabou. Se não se desviar disto, a diplomacia pode ser bem-sucedida.
O segundo pacote deve ser um pacote completo, discutido entre Teerão e Washington directamente. A questão nuclear não será nunca resolvida, a menos que o Irão e os Estados Unidos comecem a lidar simultaneamente com a sua longa lista de queixas. Só então poderemos ter uma solução ao nosso alcance.

Vaez: Então afirma que o verdadeiro problema, para o Irão, não é o programa nuclear, mas a relação entre o Irão e os Estados Unidos?
Mousavian:
Precisamente. Para ir mais longe, eu diria que o verdadeiro problema é Israel. No entanto, creio que uma abordagem mais equilibrada dos EUA em relação ao problema israelo-palestiniano tem o potencial para preparar o terreno para desatar este nó aparentemente inextricável.

[1] N. do T: International Atomic Energy Agency, Agência Internacional de Energia Atómica.
Nota do Editor: A entrevista foi realizada em Washington DC em 15 de Novembro de 2011 e foi editada para maior clareza.
Tradução de André Rodrigues P. Silva

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