A Energia e o estoiro da Â’IroniaÂ’

Mark Griffiths    22.Oct.08    Outros autores



“Uma recessão global despoletando um ‘estoiro do créditoÂ’ reduziria a procura de gás e petróleo numa altura de fornecimentos escassos, adiando o começo de um mais profundo ‘estoiro energéticoÂ’ pela redução da procura de energia”

Apesar de muitos académicos e outras personalidades terem discutido insistentemente contra isso (de acordo com as palavras de um irado congressista Democrata: “Vivemos agora na idade dourada dos ladrões. Na minha terra, metemos os ladrões na cadeia, não os pomos na rua.”), a lógica actual que prevalece com o ‘estoiro do créditoÂ’ é que há poucas opções disponÍ­veis, excepto caucionar as instituições financeiras que mostraram ter sido altamente irresponsáveis Í  custa de outras pessoas, mesmo se uma maior carnificina venha a ser evitada. Mas neste processo, há ainda muitas outras “ironias” de altas octanas a aparecer que aparentam ser capazes também de produzir alguns ‘estoiros polÍ­ticosÂ’, inclusive o modo como os partidos polÍ­ticos são financiados e as suas relações com o sector bancário.

Por contraste, a mais recente intensificação na dificuldade de crédito está a apagar grande parte da luz da ribalta do ‘estoiro energéticoÂ’, a sua irmã gémea feia com que está intimamente relacionado. Uma recessão global despoletando um ‘estoiro do créditoÂ’ reduziria a procura por gás e petróleo numa altura de fornecimentos escassos, adiando o começo de um mais profundo ‘estoiro energéticoÂ’ pela redução da procura de energia. Todavia, isto mal se pode considerar uma ajuda, pois a facilidade com que os novos investimentos em novas fontes de energia podem ser feitos numa retirada económica é fortemente reduzida, fazendo com que sair de um ‘estoiro de créditoÂ’ em tempo devido se torne muito mais difÍ­cil.

Há quem sugira que tais investimentos deviam ter sido feitos quando a energia de combustÍ­veis fósseis era barata e Í  disposição. Mas agora não é, ou porque os preços são altos, ou porque os bolsos estão vazios (públicos e privados), ou por ambas as razões (Total e ConocoPhillips calculam que lhes custa cerca de 90 dólares por barril ou mais para trazer produtos novos desde o macadame, por exemplo, e o maior produtor mundial de urânio, Cameco, anunciou que conta cortar os seus projectos mineiros de investimento devido Í  dificuldade de obtenção de crédito – um potencial revés para o sector da energia nuclear)

Estas influências incrivelmente voláteis trazem agora para a ribalta uma quantidade de ‘estoiros energéticosÂ’ de altas octanas em todo o mundo

A Ironia da China

A actual caução proposta pelo sistema bancário americano irá ser financiada pela crescente dÍ­vida pública, através da emissão de mais obrigações a curto prazo. Há notÍ­cias contraditórias sobre quem eventualmente ficará com estas obrigações. Será que elas simplesmente são emitidas Í  ordem das instituições pouco seguras em questão, para ajudar os seus balanços, ou será que são utilizadas para angariar dinheiro nos mercados monetários internacionais para injectar nessas instituições na altura apropriada?

Se for a última hipótese, então a China poderá ter uma papel importante a desempenhar

Segundo o congressista Mike Rogers “ Para angariar 700 mil milhões de dólares terão de ser vendidas obrigações do governo dos Estados Unidos, naturalmente Í  China, Japão, Arábia Saudita ou Rússia, custando a cada americano 2.300 dólares e elevando o tecto da dÍ­vida federal para cima de 11 biliões de dólares. ”Paul Krugman, no New York Times, escreve que inicialmente não é isto que acontece, embora aconteça mais tarde se essas instituições então venderem as obrigações do governo para satisfazer certos encargos seus. Todavia, esta tabela da BBC sugere que os mercados internacionais do dinheiro irão jogar um papel importante.

Nestes mercados, a China já é um importante prestamista ao governo dos Estados Unidos, possuindo presentemente cerca de 1 bilião de dólares em bilhetes de tesouro dos Estados Unidos, obrigações e tÍ­tulos de dÍ­vidas (a ́sia, no seu conjunto, incluÍ­do o Japão, tem 2,67 biliões destes papéis de dÍ­vida dos Estados Unidos.

A China tem vindo a ser uma base protectora da economia dos EUA há já algum tempo, através da compra de tÍ­tulos do governo a fim de fortalecer o dólar, pois de outro modo ele enfraqueceria, assim ajudando as exportações chinesas para a América. Ironicamente, ao proceder deste modo, a China (a principal rival dos EUA para o petróleo do Golfo Pérsico) jogou, efectivamente, um papel significativo no défice do financiamento da guerra do Iraque, cujos custos totais de longo termo se esperam eventualmente exceder 3 biliões de dólares, ou seja, quatro vezes o custo actual da caução do estoiro do crédito.

A economia em expansão da China tem também tido a maior influência na subida dos preços globais do petróleo antes do actual “estoiro do crédito, uma crise que o largo número daqueles que pediram empréstimos sub-prime nos EUA, começaram a faltar aos pagamentos (o problema nuclear) em número elevado em 2007, quando os preços do petróleo e outros custos aumentaram (incluindo alimentos, que foram postos sobre pressão adicional pelos programas americanos de bio-combustÍ­veis, segundo o Banco Mundial).

A Ironia do Reino Unido

Algumas das ironias sobre os actuais “estoiros do crédito” no Reino Unido andam todas Í  volta da relação entre banqueiros e partidos polÍ­ticos, como tem vindo a ser realçado nas várias notÍ­cias na imprensa.

«A conferência do partido conservador (Tory Party), iniciou-se mal com um embaraçoso começo, após ter vindo a saber-se que os Conservadores tinham recebido grandes doações de gerentes de fundos com riscos futuros cobertos, cujas empresas tinham ganho vultosas somas de dinheiro aceitando apostas nalguns bancos agressivos da crise na Grã Bretanha. David Cameron, o lÍ­der Tory, aceitou quase 2 milhões de libras de gerentes desses fundos que aceitaram apostas sobre bancos, como o Halifax Bank of Scotland, que foi forçado a um resgate de emergência por Lloyds TSB e Bradford & Bingley, que está Í  beira de colapso. A prática de aceitar apostas sobre acções, conhecida como vendas a descoberto, foi agora temporariamente proibida pela Financial Services Authority, o cão de guarda de todas as acções dos bancos da City. Contudo, estas revelações vão ser particularmente embaraçosas para o Mr Cameron e para George Osborne, o seu ministro sombra das Finanças, uma vez que ambos, no princÍ­pio deste mês, declinaram especificamente criticar a actividade. Foram oferecidas admissões, a uma sucessão de possuidores de fundos com riscos futuros cobertos como membros de um exclusivo clube reservado para apoiantes, que ofereceram 50.000 libras ou mais para o Partido ConservadorÂ…As revelações – o tema de um programa do Canal 4 de amanhã Í  noite – são muito capazes de reacender a contenda sobre como os tories são financiados e fazer perguntas sobre o compromisso pessoal do Mr Cameron de transformar a imagem do partido para um refúgio para os ricos. Acerca da forma com ele abriu a conferência do seu partido em Birmingham, Mr Cameron negou que não estava disponÍ­vel para criticar banqueiros e gerentes de fundos com cobertura de risco futuros pois eles contribuÍ­ram largamente para os «cofres do partido.»

“Mr Cameron atacou aqueles que têm vindo a ‘denegrirÂ’ os banqueiros por terem causado uma agitação financeira global. Disse que não iria procurar tÍ­tulos de primeira página baratos para acusar a City de práticas gananciosas pela crise, mas também disse que os tories não assinariam cheques em branco para os contribuintes caucionarem as instituições em falta. «O que esta semana não vão ouvir da minha boca são esse tipo de frases baratas e fáceis a dar pancada no sistema de mercado e denegrir financeiros», disse a Andrew Marr Show da BBC 1. «Talvez alguns tÍ­tulos fáceis de jornais lhes sirvam mas isso não irá pagar nem uma hipoteca, não irá defender um único emprego».

Agora, contudo, Mr Cameron está a mudar de direcção. Ontem, o Ministro das Finanças sombra, apontou o dedo aos banqueiros que compraram as suas casas perto da sua em Notting Hill, com os bónus que obtiveram nos ‘bons velhos tempos «Os falhanços da indústria bancária são os falhanços dos banqueiros» disse-o na conferência. «Se alguém paga a si próprio quantias muito mais elevadas do que qualquer outra pessoa ganha noutra actividade, então fique preparado para as perder quando cometer erros.» Â…«Contrariamente ao novo Partido Trabalhista, não estamos impressionados por grandes quantias de dinheiroÂ’ acrescentou. Em polÍ­tica, como em finanças, o caleidoscópio foi abanado pelos acontecimentos recentes.»

Outro fundo que admitiu ter feito vendas a descoberto em Bradford & Bingley, GLG Partners, é gerido por Pierre LagrangeÂ….Os tories contra-atacaram reclamando que um dos mais chegados aliados polÍ­ticos de Gordon Brown, Paul Myners, era director da GLG Partners. Acrescentaram ainda, que Jon Aisbitt, doador de 1 milhão de libras para o Partido Trabalhista e administrador não-executivo do Man Group, um dos maiores gerentes mundiais de fundos com riscos futuros cobertos, tinha ‘beneficiado generosamenteÂ’ com as vendas a descoberto. Não se sugere que qualquer doador de fundos com riscos futuros cobertos tenha feito qualquer acção imprópria. Mas as revelações atiraram com a luz da ribalta de volta para a questão controversa do “financiamento do partido.”

Ironia dos Estados Unidos.

Talvez as maiores ironias do estoiro do crédito estejam reservadas para os Estados Unidos. Muita gente, incluindo Republicanos tradicionalistas, tem acusado o governo dos EUA (e, subsequentemente, o Congresso) de permitir uma economia de estilo socialista, ao apoiarem o que de facto é a nacionalização de más dÍ­vidas, provocadas por comportamentos irresponsáveis do sector privado da banca.

Tem muito interesse, portanto, ver via “opensecrets.org”, como é que os doadores dos bancos de investimento da Wall Street se valorizaram entre os principais 20 contribuintes quer de John MacCain quer de Barak Obama no ciclo da eleição de 2008. Embora haja outros bancos que têm apostado somente num lado da barreira polÍ­tica, algumas instituições financeiras têm sido doadores importantes através de contribuições pessoais para as campanhas de ambos os candidatos presidenciais. “Ambos estes lados”, relativamente aos bancos são (eram) o Citygroup Inc., o Goldman Sachs, o Lehman Bros, o, JPMorgan Stanley e o UBS AG,.

A base de dados “opensecrets.org” mostra que é frequente em muitas indústrias dos Estados Unidos doar para ambos os lados em simultâneo. ‘Agribusiness, por exemplo, doou cerca de meio milhão de dólares ($442.043.803) para os Democratas e Republicanos desde 1990, embora inclinando-se mais para os Republicanos. O número para a finança, seguro e sector imobiliário (isto é, incluindo território sub – prime) é de dois mil milhões gastos com maior igualdade entre os dois partidos.

O que Í  maioria dos doadores, provavelmente, interessa mais, é a influência sobre programas legislativos, especialmente a “de – regulação”. Contudo, não é apenas o sector privado que aparenta gostar da liberdade para jogar rápido e perder com o dinheiro dos outros.

Por exemplo, nada disto realmente se compara com os 2,3 biliões de dólares de despesa, que o Secretário da Defesa, Donald Rumsfeld,, em Setembro de 2001, indicou a uma comissão do Senado ter, aparentemente, desaparecido no Pentágono - uma quantia suficientemente grande para financiar três vezes o colossal aval bancário de 700 mil milhões de dólares que presentemente está a ser tentado. Uns simples 270 milhões de dólares de outra verba é reclamada por ter ido parar a uma ‘cauçãoÂ’ de um empreiteiro de defesa, segundo um depoimento acerca de práticas ilegais nos negócios dado por alguém numa audição com fraca audiência numa recente comissão do Senado.

Então, quanto dinheiro dos 2,3 biliões de dólares originais desapareceram através de um sistema semelhante de socialismo de empresa, ou de exercÍ­cios do tipo Irão-Contra? Dado o lamentável nÍ­vel de supervisão nesta área, possivelmente nunca o saberemos. A maioria dos meios de comunicação, com a notável excepção da CBS News, escolheu nada dizer sobre esta questão “trivial”.

Possivelmente perderam-se 2,3 mil milhões de dólares que podiam ter sido utilizados, por exemplo, na construção de um novo paradigma de energia para o futuro. Contudo, quase ninguém parece queixar-se da ausência de interesse no Congresso, daquilo que é potencialmente crime público (e privado) a uma escala colossal.

Com tais défices de responsabilidade grotesca escondidos dentro do próprio sistema dos EUA, o valor de ter eleições aparece-nos mais como temperadamente diminuÍ­dos. Entretanto, muitos ficaram surpreendidos pelo facto de a subida estabilizada dos preços do petróleo desde 2003, não ter tido mais um impacto de constrangimento na economia dos EUA onde, muito dentro em breve, o rendimento da utilização de combustÍ­vel será baixo. Não parece, todavia, que muito do impacto adverso tenha sido mascarado pela dÍ­vida em expansão, fortemente caracterizada por empréstimos sub–prime e um défice inchado do governo federal, sob o qual o sistema, de facto, tomou as caracterÍ­sticas de uma banda elástica muito apertada e esticada.

O que parece é que a banda elástica, começando a desfiar-se em 2007, rebentou finalmente em 2008, quando o preço do petróleo alcançou quase 150 dólares por barril, antes de recuar com a fractura. Agora, a esperada há muito tempo ‘destruição da procuraÂ’ de petróleo, parece aparecer entre nós, pelo menos, nos paÍ­ses da OECD. A procura global de petróleo continua a crescer, todavia, devido ao consumo na ́sia, e, a não ser que a crise financeira também os atinja duramente, prevê-se que a procura total continue a crescer em 2009 – se bem que a um ritmo muito reduzido.

No Reino Unido, a queda dos preços do petróleo aliviaram algumas pressões financeiras, mas nuvens iminentes continuam a pairar sobre as reservas nacionais de energia devido Í s velhas infra-estruturas. Se as coisas piorarem, pode ser que os fornecimentos de electricidade Í  indústria tenham que ser restringidos já em Novembro, pois as esforçadas centrais de energia encerram para trabalhos essenciais de conservação

Se o mundo está agora a chorar por investimentos e veÍ­culos económicos que façam algo de construtivo, em vez de esquemas fantasmas que provoquem paralisias financeiras, não chegou agora a altura do governo (especialmente ao nÍ­vel do poder local) começar a incrementar as “obrigações de energia” para financiar o muito necessário investimento em novas infra-estruturas energéticas de baixo teor de carbono? Por que não oferecer-lhes em tipos diferentes de formatos energéticos – especialmente renováveis – e depois aguardar para ver onde é que o mercado quer pôr o seu dinheiro em retorno por uma parcela do rendimento energético quando se juntam todos? A energia é “verdadeira” e certamente que causaria uma satisfação especial quando as pessoas se sintam capazes de investir nas suas próprias comunidades – ‘apenas residentes e contribuintes podem fazê-loÂ’

Tradução de João Manuel Pinheiro

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