O Tango dançado entre a Rússia e a Turquia no Mar Negro

M K Bhadrakumar*    19.Sep.08    Outros autores

M. K. BHADRAKUMAR
O sonho do império planetário norte-americano dissolve-se numa crise sem precedentes com indicadores que muitos analistas consideram mais graves que a dos anos 30, e é já contestado em algumas partes do Mundo, por vezes com a participação de aliados tradicionais e membros da NATO, como é o caso da Turquia

No meio do aluvião da actividade diplomática de Moscovo, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, encontrou tempo na passada semana passada [01-07/09/08] para uma viagem extraordinariamente importante Í  Turquia, que pode significar um momento crucial para a segurança e a estabilidade da vasta região historicamente partilhada pelos dois poderes.

Mais, a diplomacia russa está a mexer-se rapidamente ao mesmo tempo que as tropas russas estão a regressar da Geórgia aos quartéis. Moscovo está a tecer uma intricada rede de novas alianças regionais fundadas no mais profundo da memória histórica colectiva russa como potência do Cáucaso e do Mar Negro.

O poeta e dramaturgo alemão Bertolt Brecht teria ficado maravilhado com as teias e sub-teias entrelaçadas da agenda de Sergei Lavrov ao longo de toda a semana passada, bem marcada por «CÍ­rculos de giz caucasianos»: uma reunião extraordinária do conselho Europeu em Bruxelas, uma reunião dos Ministros dos Negócios Estrangeiros do Tratado da Organização de Segurança Colectiva (CSTO, na sua sigla inglesa) [1] em Moscovo reuniões com três homólogos estrangeiro em Moscovo (Karl de Gucht, belga, Franco Frattini, Itália e Elmar Mamedyarov do Azerbeijão), visitas do presidentes das recém independentes repúblicas da Ossétia do Sul e Abkásia, e consultas com o representante especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para a Geórgia, Johan Verbeke.

Apesar de tudo isso Moscovo sublinhou que as conversações com a Turquia eram o mais importante. Lavrov renunciou liminarmente a todas as reuniões na Rússia e apressou-se a ir a Istambul terça-feira [2 de Setembro] para uma visita de trabalho, com o objectivo essencial de conseguir uma conversação confidencial de algumas horas com o seu homólogo, Ali Babacan. A tarefa de Lavrov pôs em relevo o perspicaz sentido russo das suas prioridades na actual crise regional no Cáucaso e no Mar Negro.

Rivais históricos convertem-se em aliados

É quase inevitável que haja uma grande mordacidade quando a Rússia e a Turquia falam do Mar Negro. Durante o assédio de um ano Í  base naval fortificada de Sebastopol em 1854-55 pelos britânicos e franceses ficou patente uma ou duas verdades internas. Uma, a que o papel da Turquia podia ser crÍ­tico para a segurança do mar Negro e, outra, que sem a sua frota do mar Negro, não seria possÍ­vel a penetração Russa no Mediterrâneo. Mais importante, a Rússia aprendeu que numa guerra pode perder-se o terreno original mas os protagonistas podem continuar as hostilidades.

Quando, finalmente, chegou a paz com o Congresso de Paris em1856, as cláusulas sobre o mar Negro foram extremamente desvantajosas para a Rússia, tanto que nesse mesmo ano o Czar conspirou com o alemão Otto von Bismarck, denunciou o acordo e continuou com restabelecimento da sua frota no Mar Negro.

O momento escolhido para as consultas de Lavrov com a Turquia é interessante. Casualmente, foi no momento em que o vice-presidente estadunidense, Dick Cheney, estava na zona em visita Í  Ucrânia, Azerbeijão e Geórgia, fomentando a animosidade com a Rússia. A Turquia não fazia parte do seu itinerário. Moscovo valorizou habilmente a necessidade de um dinamismo polÍ­tico na relação com a Turquia.

Moscovo tomou na devida conta a diferença entre a NATO e a União Europeia e que a reacção da Turquia perante o conflito no Cáucaso foi manifestamente ténue. Ankara expressou levemente a sua preocupação pelos acontecimentos, em termos meramente formais, quase sem tomar partido. Por outro lado a Turquia é membro da NATO e aspira entrar na União Europeia. Foi um aliado estreito dos Estados Unidos durante a Guerra-Fria. A Turquia será o claro beneficiário como centro energético se se materializar qualquer dos grandiosos planos ocidentais de circundar o território russo e aceder Í  energia do Mar Cáspio. É o centro de armazenagem e distribuição do oleoduto Baku-Tbilisi-Ceheyan.

Por outro lado, a Rússia está preparada para ser o principal parceiro comercial da Turquia, com trocas comerciais anuais que ascendem a 40.000 milhões de dólares. O comércio invisÍ­vel também é importante com dois milhões e meio de turistas russos a visitarem Turquia anualmente e com companhias turcas amplamente implicadas no sector de serviços russo. Além de que a Rússia abastece 70% das necessidades turcas em gás natural.

À Turquia ocorreu a engenhosa ideia de um «Pacto de Cooperação e Estabilidade no Cáucaso» que, para citar o comentarista turco Semih Idiz, teria como principal virtude «proporcionar Í  Turquia a opção de permanecer relativamente neutral nesta disputa, mesmo que isto não deixe toda a gente satisfeita em Washington». O primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, visitou Moscovo em 12 de Agosto para falar com o Kremlin da proposta. Semih Idiz acrescenta: «Dito de outra maneira, Ankara não está em posição de tomar posição nesta disputa num momento em que se perspectiva uma nova “linha divisória entre o Oriente e o Ocidente”, apesar de ser membro da NATO».

É sabido que Moscovo odeia as intrusões na sua «esfera de influência» no Cáucaso por potências exteriores. No entanto, neste caso o Kremlin deu rapidamente as boas vindas Í  proposta turca e acordou manter consultas para a construção de um diálogo bilateral e multilateral sobre todos os aspectos do problema do Cáucaso. A posição russa é pragmática.

Em primeiro lugar, era imprescindÍ­vel comprometer a Turquia, uma importante potência regional, o que ajudava a mitigar o isolamento regional da Rússia na crise. Em segundo lugar, convinha envolver a Turquia ao lado da Rússia, já que não faz parte da iniciativa de paz da UE.

A influência turca no sul do Cáucaso é inegável. O volume de negócios anual da Turquia com a Geórgia ascende a mil milhões de dólares, um volume considerável para este último paÍ­s. Os investimentos turcos na Geórgia superam os 500 milhões de dólares. A Turquia também forneceu armas e proporcionou treino militar ao exército georgiano. Tradicionalmente as relações da Turquia com o Azerbeijão também são estreitas.

Por tudo isto Moscovo adoptou a perspectiva de a Turquia poder proporcionar as bases para trabalhar mecanismos que limitassem o potencial conflito da região, e aumentassem a estabilidade da zona e servissem de contrapeso aos nefastos passos do Ocidente dirigidos contra os interesses russos.

Lavrov disse a Babacan apesar «neste ponto ser necessário criar as condições apropriadas» para a iniciativa de paz de Ankara, «incluindo a eliminação das consequências da agressão contra a Ossétia do Sul, estamos absolutamente de acordo com os nossos parceiros turcos de que agora se podem e devem assentar as bases para esta interacção».

No centro das ideias russas está a preferência por uma abordagem regional que exclua as potências exteriores. Lavrov foi claro acerca disto: «Para nós, o principal mérito da iniciativa turca é o seu senso comum e assumir que os paÍ­ses de qualquer região deverão e, em primeiro lugar os paÍ­ses dessa região, devem decidir por si próprios como tratar os assuntos dela. Os outros paÍ­ses deverão ajudar, mas não impor as suas receitas».

Lavrov insinuava o seu desagrado pelo papel dos Estados Unidos. E continuou: «Naturalmente, este será um esquema aberto, mas a iniciativa corresponderá aos paÍ­ses da zona. É aproximadamente o mesmo que a ASEAN [Associação das Nações do Sudeste Asiático] que tem muitos aliados, mas os seus membros definem a agenda de trabalho para a região e a vida da região».

O posicionamento russo é dar as boas-vindas a uma «entente cordial» com a Turquia na região do mar Negro, o que frustra as intenções estadunidenses de isolar a Rússia no seu pátio traseiro tradicional. Durante a visita de Lavrov a Istambul as duas partes estiveram de acordo na «necessidade de recorrer mais aos mecanismos de que dispomos (a Black Sea Economic Coopertion Organization e a Blackseafor [respectivamente a Organização de Cooperação do Mar Negro e a Força Naval regional]), e desenvolver a ideia turca de harmonia no Mar Negro, que tem um carácter cada vez mais multilateral e prático».

Curiosamente, na conferência de imprensa em Istambul ao lado de Babacan, Lavrov fez uma descomunal elipse no seu pensamento ao relacionar os interesses comuns russos e turcos em empreender iniciativas conjuntas com outras questões regionais, como o Iraque e o irão. E afirmou: «Essencialmente a partir das mesmas posições, advogamos que se comecem a dar os passos necessários para resolver definitivamente a situação no Iraque sobre a base da integridade territorial e soberania deste Estado. Também são semelhantes as nossas posições em relação a um acordo polÍ­tico pacÍ­fico sobre o programa nuclear iraquiano».

Há que analisar detalhadamente o verdadeiro alcance das declarações d Lavrov. Têm ramificações profundas. Podem entender-se dentro do pano de fundo das velhas ideias estadunidenses de utilizar a costa este do Mar Negro como escala para as suas operações militares no Iraque e um potencial ataque ao Irão, que Ankara rejeitou firmemente, para grande alÍ­vio de Moscovo. Resta dizer que esteve brilhante ao relacionar o Iraque e o Irão no marco regional russo-turco de cooperação e segurança.

A questão dos estreitos

Em termos imediatos, Moscovo tem os olhos postos na pressão militar estadunidense no mar Negro. Na raiz da situação actual está a denominada «questão dos estreitos». Em poucas palavras, a Moscovo agradava-lhe que Ankara continuasse a resistir Í s intenções estadunidenses de rever a Convenção de Montreux de 1936, que confere Í  Turquia o controlo dos estreitos do Bósforo e dos Dardanelos. Os Estados Unidos não participaram na Convenção de 1936 que restringe seriamente a passagem de barcos de guerra pelos dois estreitos turcos do Mar Negro e que, praticamente, garante este mar como um parque infantil russo-turco.

A Convenção de Montreux é fundamental para a segurança russa (durante a Segunda Guerra Mundial, a Turquia recusou Í s potências do Eixo a autorização de mandarem barcos para o Mar negro para atacar a força naval soviética fundeada em Sebastopol).

Depois da Guerra-Fria, Washington aumentou a sua pressão sobre a Turquia para que renegociasse a Convenção de Montreux, para converter progressivamente o Mar Negro num domÍ­nio exclusivo da NATO. A Turquia, a Roménia e a Bulgária são paÍ­ses da NATO; Os Estados Unidos têm bases na Roménia; Os Estados Unidos desejam recrutar a Ucrânia e a Geórgia para a NATO. Por conseguinte, a resistência turca aos pedidos estadunidenses de renegociação da Convenção de Montreux tem uma enorme importância para Moscovo (durante o actual conflito do Cáucaso, os Estados Unidos pretendiam enviar dois enormes barcos de guerra, de 140.000 toneladas cada, para o Mar Negro, com o objectivo de proporcionar «ajuda» Í  Geórgia, mas Ankara recusou a autorização alegando que esta passagem violava o acordado na Convenção de Montreux).

Moscovo agradece esta polÍ­tica turca. Na realidade, Moscovo e Ankara partilham o interesse de manter o mar Negro como seu domÍ­nio conjunto. Depois, e com toda a razão, Ankara está consciente de que qualquer passo para rever a Convenção de Montreux (que Kemal Ataturk negociou pela Turquia com grande habilidade, sabedoria polÍ­tica e previsão em condições muito adversas) seria abrir uma caixa de Pandora. Podia muito bem converter-se num passo para a reabertura do Tratado de Lausane de 1923, a pedra angular sobre a qual se erigiu o Estado turco moderno sobre os restos do Império Otomano.

O destacado analista turco Tahya Akyol descrevia muito bem a situação num artigo no jornal liberal Milliet: «A geografia da Anatólia obriga a dar prioridade a olhar para oeste durante as eras bizantina e otomana, sem nunca ignorar o Cáucaso e o Médio Oriente. Naturalmente, os matizes mudam em função dos acontecimentos e dos problemas. Uma Turquia voltada para Oeste nunca deve ignorar a Rússia, o Mar Negro, o Cáucaso, o Médio oriente e o Mediterrâneo. A sinfonia de tons variados e complicados depende da habilidade da nossa polÍ­tica externa e das dimensões do nosso poder. Não existe uma polÍ­tica infalÍ­vel, mas a Turquia tem evitado cometer erros graves na sua polÍ­tica externa. Os seus princÍ­pios básicos são sólidos»

Moscovo conhece profundamente o pragmatismo por excelência da polÍ­tica externa «Kemalista» turca (Ataturk estendeu a mão aos bolcheviques no princÍ­pio dos anos vinte). Lavrov passou delicadamente as páginas da história contemporânea. Em Istambul afirmou que a Rússia pós soviética nãosentia nenhum «factor constritor»pelo facto da Turquia ser membro da NATO enquanto ambas as potências permanecessem «verdadeiramente sinceras, enquanto tivessem verddaeira confiança e mantivessem autêntico respeito mútuo». Que queria dizer?

Na perspectiva russa o que importa é que a Turquia não utilize a qualidade de membro da NATO em detrimento dos interesses da Rússia, ainda que cumpra estritamente as suas obrigações e compromissos com a aliança. Por outras palavras, Lavrov recordou que a Turquia não devia esquecer os seus «outros compromissos e obrigações internacionais», tais como os tratados internacionais que vigoram no regime existente no mar negro, por exemplo».

A Lavrov tranquilizou-o saber que «a Turquia nunca coloca os seus compromissos com acima das suas outras obrigações internacionais, mas que segue sempre estritamente o conjunto de todas as suas obrigações. Este é uma caracterÍ­stica muito importante que não é caracterÍ­stica de muitos paÍ­ses. Nós apreciamo-lo e esforçamo-nos por melhoraras nossas relações desta forma». Para se credibilizar deixou atrás de si muito para os seus hóspedes turcos reflectirem.

O tabuleiro de xadrez do Cáucaso

Enquanto, para usar a metáfora de Akyol, começou efectivamente uma nova «sinfonia» no Mar Negro e no sul do Cáucaso. Aos observadores internacionais que reduzem a discórdia actual ao apoio da Rússia ao princÍ­pio da autodeterminação, as árvores não deixam ver o bosque.

Depois de avaliar a real capacidade da NATO em empreender uma guerra contra a Rússia no Mar Negro (um perito militar avaliou que Moscovo necessitaria de vinte minutos para afundar a frota da Nato), a Rúusia anunciou a sua intenção de deslocar tropas regulares para os recém independentes Estados da Ossétia do Sul e Abkasia, de acordo com os tratados de «amizade, cooperação e ajuda mútua» assinados em Moscovo no passado dia 2 de Setembro.. O ministro da Defesa, anatoly Serdyukov, afirmou que na Ossétia do Sul e a Abkasia seria colocado, em cada um de estes paÍ­ses, um contingente superior a uma brigada.

Em termos práticos, a Rússia reforçou a sua presença na zona do Mar Negro. Na passada terça-feira [2 de Setembro], Lavrov explicou em Moscovo que «a Rússia, a Ossétia do Sul e a Abakasia tomaram todas as medidas conjuntas possÍ­veis para eliminar e evitar ameaças Í  paz ou tentativas de a destruir, e para contra-atacar actos de agressão contra elas por parte de qualquer paÍ­s ou grupo de paÍ­ses». Afirmou que Moscovo esperava que qualquer discussão posterior no Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre questões de segurança regional carecia de «sentido» sem os representantes da Ossétia e da Abkasia, uma condição prévia que seguramente Washington recusará.

Assim, por todo o Cáucaso ouve-se uma outra sinfonia russo-turca. No passado sábado [6 de Setembro] o presidente turco, Abdullah Gul, voou para Erevan [capital da Arménia] rompendo assim o gelo existente desde há quase um século nas relações entre a Turquia e a Arménia. Moscovo fomenta este degelo. Erevan espera beneficiar com a concórdia regional entre a Rússia e a Turquia para normalizar as relações com Ankara e voltar a abrir a fronteira arménio-turca após quase um século. Espera-se que o presidente arménio, Serge Sarkisian, visite a Turquia em 14 de Outubro. Os discretos canais em que há meses se está a trabalhar discretamente na Suiçaforam elevados ao nÍ­vel formal. Continua a haver um escolho, particularmente em relação ao complicado problema de Nagorno-Karabakh [2]. Uma vez mais, Washington poderá alarmar-se e começar a jogar com a diáspora arménia nos Estados Unidos.

Em todo o caso, Gul visitou Baku, capital do Azerbeijão na passada 4ª feira [10 de Setembro] para informar os dirigentes do Azerbeijão. Neste contexto, o ministro dos Negócios Estrangeiros azeri, Elmar Mamedyarov, visitou Moscovo no passado fim-de-semana, depois de uma conversa telefónica entre o presidente russo Dimitri Medvdev e o seu homólogo do Azerbeijão Ilkham Aliyev. Medvedev convidou aliyev a visitar Moscovo, que também foi recentemente visitada pelo presidente da Arménia, Sarkisian.

O jornal russo Kommersant, citando uma fonte do Ktremlin, informou que Moscovo podia organizar uma cimeira Arménia-Azerbeijão. Nesse caso, o trabalho conjuntamente da Rússia com a Turquia está efectivamente a passar por cima da Europa e dos Estados Unidos. Até Í  data, o denominado grupo de Minsk da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa esteve a dirigir o processo de paz de Nagorno-Karabakh (curiosamente a Rússia é membro do grupo de Minsk de que a Turquia está excluÍ­da).

O desaire de Cheney em Baku

Citando o Kommersant, «Moscovo e Ankara estão a consolidar as suas posições no Cáucaso, debilitando assim a influência de Washington na região». Os sinais já aÍ­ estão. Na passada 4ª feira [4 de Setembro] Cheney visitou Baku numa missão cujo objectivo evidente era isolar a Rússia na zona e teve aÍ­ desagradáveis surpresas.

Os azeris mudaram a sua tradicional hospitalidade para com os dirigentes estadunidenses que os vistam e receberam Cheney no aeroporto com uma delegação de nÍ­vel baixo. Além disso fizeram-no esperar quase todo o dia até que, finalmente, Aliyev o recebeu. Isto apesar de Cheney pensar que havia uma quÍ­mica especial entre ele e o dirigente azeri, desde os tempos da Halliburton (Aliyev dirigiu a petrolÍ­fera estatal SOCRAM).

Cheney acabou por ocupar o dia em visita Í  embaixada dos EUA em Baku em conversações com os executivos norte-americanos que trabalham no petróleo, no Azerbeijão. Quando finalmente, Aliyev o recebeu, ao fim da tarde, Cheney descobriu, perturbado, que o Azerbeijão na estava na disposição de conspirar contra a Rússia.

Cheney transmitiu a promessa solene da administração de George W Bush de apoiar os aliados dos Estados Unidos na zona contra o «revanchismo» russo. Expôs a determinação de Washington na actual situação de castigar a Rússia a qualquer preço acelerando o projecto do gasoduto Nabucco. Ma Aliyev deixou claro que não queria ser arrastado numa disputa com Moscovo. Cheney estava profundamente desgostoso e mostrou-o, declinando o convite para o banquete e sua honra. Pouco depois da sua conversa com Cheney, Aliyev falou ao telefone com Medvedev.

A posição do dirigente azeri demonstra que, contrariamente Í  propaganda mediática estadunidense, a posição firme russa no Cáucaso aumentou o seu prestÍ­gio e melhorou a sua posição no espaço pós soviético. Na sua reunião em Moscovo em 5 de Setembro, o CSTO apoiou energicamente a posição russa no conflito com a Geórgia. A 1 e 2 de Setembro, o primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, fez uma muito significativa visita a Tashkent com o objectivo de melhorar o entendimento russo-uzbeque sobre segurança regional. A Rússia e o Uzbequistão acordaram numa maior cooperação no campo energético, incluindo a expansão do sistema de gasodutos da era soviética.

O Kazaquistão, que apoiou abertamente a Rússia na crise do Cáucaso, está a melhorar as suas companhias petrolÍ­feras adquirindo activos na Europa juntamente com a empresa russa Gazprom. Tudo indica que o Tajiquistão acordou uma expansão da presença militar russa, incluindo a presença de dos seus bombardeiros estratégicos. Mais, a aprovação por parte do CSTO do recente pacote de propostas russas sobre sobre o desenvolvimento de um Tratado europeu (pós NATO) sobre segurança é, no momento presente, um valioso êxito diplomático de Moscovo.

Mas em termos tangÍ­veis o que mais satisfez Moscovo foi a reacção do Azerbeijão Í s tensões do Cáucaso e ao encerramento temporário do oleoduto Baku-Tbilisi-Ceheyan, enviando as suas exportações para a Europa via oleoduto Baku-Novorossiysk da época soviética. A Cheney não lhe deve ter passado ao lado a ironia de, da noite para o dia, Baku ter passado do oleoduto patrocinado pelos Estados Unidos que evita a Rússia para um oleoduto da época soviética que atravessa o centro da Rússia.

Mais preocupante para Washington é a proposta russa posta em cima da mesa de Aliyev em que Moscovo se propõe comprar todo o gás do Azerbeijão a preços de mercado mundial, uma oferta que as companhias petrolÍ­feras ocidentais não podem igualar. É uma oferta que Baku considerará seriamente dado o pano de fundo do novo panorama regional.

O fracasso total da missão Cheney em Baku poderá, naturalmente, fazer crer a desagradável surpresa de Washington de comprovar que Moscovo desactivou, de facto, a «diplomacia de canhoneira» de Bush no Mar Negro. Como afirmava gravemente o New Tork Times «depois de um aprofundado debate interno, a administração Bush decidiu não fazer qualquer acção punitiva directa [contra Russia] (Â…), concluindo que tem poucas força se actuar unilateralmente e que seria melhor pressionar para se alcançar um consenso crÍ­tico internacional dirigido a partir da Europa».

O secretário da Defesa norte-americano, Robert Gates, explicou ao New York times que Washington prefere uma abordagem estratégica a longo prazo e «não uma em que actuemos de forma reactiva o que pode ter consequências negativas. Acrescentou cautelosamente: «Se reagimos de forma demasiado precipitada, pode ser que sejamos nós quem fica isolado». O próprio Cheney atenuou a sua retórica inicial de castigar severamente a Rússia. Acredita agora que deve deixar uma porta aberta para melhorar as relações com a Rússia, e que relançar as futuras relações com os estados Unidos é uma solução que deve ser feita pelos dirigentes de Moscovo.

A Turquia parece que já fez a sua escolha. Pela rapidez com que Erdogan invocou a ideia de um Pacto de Estabilidade no Cáucaso, parece que já estava preparada há algum tempo. Não é tão fácil como parece utilizar sempre os factores geográficos e históricos para obter uma vantagem geopolÍ­tica. Além disso, como sugere o seu enganador nome, o Mar Negro é agora um irisado mar azul, cheio de delfins brincalhões, mas os piratas e os marinheiros ficaram cativos pela sua aparência negra, quando o cé se abateu sobre eles carregado de nuvens anunciadoras de tempestade.

Notas do tradutor:
[1] O Tratado da Organização de Segurança Colectiva (CSTO) foi assinado pela Arménia, Bielo-Rússia, Kazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tajiquistão e Uzbequistão
[2] Conflito armado (Fevereiro de 1988 a Maio de 1994) no pequeno enclave étnico de Nagorno-Karabakh no sudoeste do Azerbeijão, opondo a maioria étnica arménia residente em Nagorno-Karabakh apoiada pela República da Arménia Í  República do Azerbeijão.

* Diplomata dos Ministério dos Negócios Estrangeiros Indiano. Esteve, entre outros paÍ­ses, na ex União Soviética e Turquia.

Tradução de José Paulo Gascão

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