O Tango dançado entre a Rússia e a Turquia no Mar Negro
O sonho do império planetário norte-americano dissolve-se numa crise sem precedentes com indicadores que muitos analistas consideram mais graves que a dos anos 30, e é já contestado em algumas partes do Mundo, por vezes com a participação de aliados tradicionais e membros da NATO, como é o caso da Turquia
No meio do aluvião da actividade diplomática de Moscovo, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, encontrou tempo na passada semana passada [01-07/09/08] para uma viagem extraordinariamente importante Í Turquia, que pode significar um momento crucial para a segurança e a estabilidade da vasta região historicamente partilhada pelos dois poderes.
Mais, a diplomacia russa está a mexer-se rapidamente ao mesmo tempo que as tropas russas estão a regressar da Geórgia aos quartéis. Moscovo está a tecer uma intricada rede de novas alianças regionais fundadas no mais profundo da memória histórica colectiva russa como potência do Cáucaso e do Mar Negro.
O poeta e dramaturgo alemão Bertolt Brecht teria ficado maravilhado com as teias e sub-teias entrelaçadas da agenda de Sergei Lavrov ao longo de toda a semana passada, bem marcada por «CÍrculos de giz caucasianos»: uma reunião extraordinária do conselho Europeu em Bruxelas, uma reunião dos Ministros dos Negócios Estrangeiros do Tratado da Organização de Segurança Colectiva (CSTO, na sua sigla inglesa) [1] em Moscovo reuniões com três homólogos estrangeiro em Moscovo (Karl de Gucht, belga, Franco Frattini, Itália e Elmar Mamedyarov do Azerbeijão), visitas do presidentes das recém independentes repúblicas da Ossétia do Sul e Abkásia, e consultas com o representante especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para a Geórgia, Johan Verbeke.
Apesar de tudo isso Moscovo sublinhou que as conversações com a Turquia eram o mais importante. Lavrov renunciou liminarmente a todas as reuniões na Rússia e apressou-se a ir a Istambul terça-feira [2 de Setembro] para uma visita de trabalho, com o objectivo essencial de conseguir uma conversação confidencial de algumas horas com o seu homólogo, Ali Babacan. A tarefa de Lavrov pôs em relevo o perspicaz sentido russo das suas prioridades na actual crise regional no Cáucaso e no Mar Negro.
Rivais históricos convertem-se em aliados
É quase inevitável que haja uma grande mordacidade quando a Rússia e a Turquia falam do Mar Negro. Durante o assédio de um ano Í base naval fortificada de Sebastopol em 1854-55 pelos britânicos e franceses ficou patente uma ou duas verdades internas. Uma, a que o papel da Turquia podia ser crÍtico para a segurança do mar Negro e, outra, que sem a sua frota do mar Negro, não seria possÍvel a penetração Russa no Mediterrâneo. Mais importante, a Rússia aprendeu que numa guerra pode perder-se o terreno original mas os protagonistas podem continuar as hostilidades.
Quando, finalmente, chegou a paz com o Congresso de Paris em1856, as cláusulas sobre o mar Negro foram extremamente desvantajosas para a Rússia, tanto que nesse mesmo ano o Czar conspirou com o alemão Otto von Bismarck, denunciou o acordo e continuou com restabelecimento da sua frota no Mar Negro.
O momento escolhido para as consultas de Lavrov com a Turquia é interessante. Casualmente, foi no momento em que o vice-presidente estadunidense, Dick Cheney, estava na zona em visita Í Ucrânia, Azerbeijão e Geórgia, fomentando a animosidade com a Rússia. A Turquia não fazia parte do seu itinerário. Moscovo valorizou habilmente a necessidade de um dinamismo polÍtico na relação com a Turquia.
Moscovo tomou na devida conta a diferença entre a NATO e a União Europeia e que a reacção da Turquia perante o conflito no Cáucaso foi manifestamente ténue. Ankara expressou levemente a sua preocupação pelos acontecimentos, em termos meramente formais, quase sem tomar partido. Por outro lado a Turquia é membro da NATO e aspira entrar na União Europeia. Foi um aliado estreito dos Estados Unidos durante a Guerra-Fria. A Turquia será o claro beneficiário como centro energético se se materializar qualquer dos grandiosos planos ocidentais de circundar o território russo e aceder Í energia do Mar Cáspio. É o centro de armazenagem e distribuição do oleoduto Baku-Tbilisi-Ceheyan.
Por outro lado, a Rússia está preparada para ser o principal parceiro comercial da Turquia, com trocas comerciais anuais que ascendem a 40.000 milhões de dólares. O comércio invisÍvel também é importante com dois milhões e meio de turistas russos a visitarem Turquia anualmente e com companhias turcas amplamente implicadas no sector de serviços russo. Além de que a Rússia abastece 70% das necessidades turcas em gás natural.
À Turquia ocorreu a engenhosa ideia de um «Pacto de Cooperação e Estabilidade no Cáucaso» que, para citar o comentarista turco Semih Idiz, teria como principal virtude «proporcionar Í Turquia a opção de permanecer relativamente neutral nesta disputa, mesmo que isto não deixe toda a gente satisfeita em Washington». O primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, visitou Moscovo em 12 de Agosto para falar com o Kremlin da proposta. Semih Idiz acrescenta: «Dito de outra maneira, Ankara não está em posição de tomar posição nesta disputa num momento em que se perspectiva uma nova “linha divisória entre o Oriente e o Ocidente”, apesar de ser membro da NATO».
É sabido que Moscovo odeia as intrusões na sua «esfera de influência» no Cáucaso por potências exteriores. No entanto, neste caso o Kremlin deu rapidamente as boas vindas Í proposta turca e acordou manter consultas para a construção de um diálogo bilateral e multilateral sobre todos os aspectos do problema do Cáucaso. A posição russa é pragmática.
Em primeiro lugar, era imprescindÍvel comprometer a Turquia, uma importante potência regional, o que ajudava a mitigar o isolamento regional da Rússia na crise. Em segundo lugar, convinha envolver a Turquia ao lado da Rússia, já que não faz parte da iniciativa de paz da UE.
A influência turca no sul do Cáucaso é inegável. O volume de negócios anual da Turquia com a Geórgia ascende a mil milhões de dólares, um volume considerável para este último paÍs. Os investimentos turcos na Geórgia superam os 500 milhões de dólares. A Turquia também forneceu armas e proporcionou treino militar ao exército georgiano. Tradicionalmente as relações da Turquia com o Azerbeijão também são estreitas.
Por tudo isto Moscovo adoptou a perspectiva de a Turquia poder proporcionar as bases para trabalhar mecanismos que limitassem o potencial conflito da região, e aumentassem a estabilidade da zona e servissem de contrapeso aos nefastos passos do Ocidente dirigidos contra os interesses russos.
Lavrov disse a Babacan apesar «neste ponto ser necessário criar as condições apropriadas» para a iniciativa de paz de Ankara, «incluindo a eliminação das consequências da agressão contra a Ossétia do Sul, estamos absolutamente de acordo com os nossos parceiros turcos de que agora se podem e devem assentar as bases para esta interacção».
No centro das ideias russas está a preferência por uma abordagem regional que exclua as potências exteriores. Lavrov foi claro acerca disto: «Para nós, o principal mérito da iniciativa turca é o seu senso comum e assumir que os paÍses de qualquer região deverão e, em primeiro lugar os paÍses dessa região, devem decidir por si próprios como tratar os assuntos dela. Os outros paÍses deverão ajudar, mas não impor as suas receitas».
Lavrov insinuava o seu desagrado pelo papel dos Estados Unidos. E continuou: «Naturalmente, este será um esquema aberto, mas a iniciativa corresponderá aos paÍses da zona. É aproximadamente o mesmo que a ASEAN [Associação das Nações do Sudeste Asiático] que tem muitos aliados, mas os seus membros definem a agenda de trabalho para a região e a vida da região».
O posicionamento russo é dar as boas-vindas a uma «entente cordial» com a Turquia na região do mar Negro, o que frustra as intenções estadunidenses de isolar a Rússia no seu pátio traseiro tradicional. Durante a visita de Lavrov a Istambul as duas partes estiveram de acordo na «necessidade de recorrer mais aos mecanismos de que dispomos (a Black Sea Economic Coopertion Organization e a Blackseafor [respectivamente a Organização de Cooperação do Mar Negro e a Força Naval regional]), e desenvolver a ideia turca de harmonia no Mar Negro, que tem um carácter cada vez mais multilateral e prático».
Curiosamente, na conferência de imprensa em Istambul ao lado de Babacan, Lavrov fez uma descomunal elipse no seu pensamento ao relacionar os interesses comuns russos e turcos em empreender iniciativas conjuntas com outras questões regionais, como o Iraque e o irão. E afirmou: «Essencialmente a partir das mesmas posições, advogamos que se comecem a dar os passos necessários para resolver definitivamente a situação no Iraque sobre a base da integridade territorial e soberania deste Estado. Também são semelhantes as nossas posições em relação a um acordo polÍtico pacÍfico sobre o programa nuclear iraquiano».
Há que analisar detalhadamente o verdadeiro alcance das declarações d Lavrov. Têm ramificações profundas. Podem entender-se dentro do pano de fundo das velhas ideias estadunidenses de utilizar a costa este do Mar Negro como escala para as suas operações militares no Iraque e um potencial ataque ao Irão, que Ankara rejeitou firmemente, para grande alÍvio de Moscovo. Resta dizer que esteve brilhante ao relacionar o Iraque e o Irão no marco regional russo-turco de cooperação e segurança.
A questão dos estreitos
Em termos imediatos, Moscovo tem os olhos postos na pressão militar estadunidense no mar Negro. Na raiz da situação actual está a denominada «questão dos estreitos». Em poucas palavras, a Moscovo agradava-lhe que Ankara continuasse a resistir Í s intenções estadunidenses de rever a Convenção de Montreux de 1936, que confere Í Turquia o controlo dos estreitos do Bósforo e dos Dardanelos. Os Estados Unidos não participaram na Convenção de 1936 que restringe seriamente a passagem de barcos de guerra pelos dois estreitos turcos do Mar Negro e que, praticamente, garante este mar como um parque infantil russo-turco.
A Convenção de Montreux é fundamental para a segurança russa (durante a Segunda Guerra Mundial, a Turquia recusou Í s potências do Eixo a autorização de mandarem barcos para o Mar negro para atacar a força naval soviética fundeada em Sebastopol).
Depois da Guerra-Fria, Washington aumentou a sua pressão sobre a Turquia para que renegociasse a Convenção de Montreux, para converter progressivamente o Mar Negro num domÍnio exclusivo da NATO. A Turquia, a Roménia e a Bulgária são paÍses da NATO; Os Estados Unidos têm bases na Roménia; Os Estados Unidos desejam recrutar a Ucrânia e a Geórgia para a NATO. Por conseguinte, a resistência turca aos pedidos estadunidenses de renegociação da Convenção de Montreux tem uma enorme importância para Moscovo (durante o actual conflito do Cáucaso, os Estados Unidos pretendiam enviar dois enormes barcos de guerra, de 140.000 toneladas cada, para o Mar Negro, com o objectivo de proporcionar «ajuda» Í Geórgia, mas Ankara recusou a autorização alegando que esta passagem violava o acordado na Convenção de Montreux).
Moscovo agradece esta polÍtica turca. Na realidade, Moscovo e Ankara partilham o interesse de manter o mar Negro como seu domÍnio conjunto. Depois, e com toda a razão, Ankara está consciente de que qualquer passo para rever a Convenção de Montreux (que Kemal Ataturk negociou pela Turquia com grande habilidade, sabedoria polÍtica e previsão em condições muito adversas) seria abrir uma caixa de Pandora. Podia muito bem converter-se num passo para a reabertura do Tratado de Lausane de 1923, a pedra angular sobre a qual se erigiu o Estado turco moderno sobre os restos do Império Otomano.
O destacado analista turco Tahya Akyol descrevia muito bem a situação num artigo no jornal liberal Milliet: «A geografia da Anatólia obriga a dar prioridade a olhar para oeste durante as eras bizantina e otomana, sem nunca ignorar o Cáucaso e o Médio Oriente. Naturalmente, os matizes mudam em função dos acontecimentos e dos problemas. Uma Turquia voltada para Oeste nunca deve ignorar a Rússia, o Mar Negro, o Cáucaso, o Médio oriente e o Mediterrâneo. A sinfonia de tons variados e complicados depende da habilidade da nossa polÍtica externa e das dimensões do nosso poder. Não existe uma polÍtica infalÍvel, mas a Turquia tem evitado cometer erros graves na sua polÍtica externa. Os seus princÍpios básicos são sólidos»
Moscovo conhece profundamente o pragmatismo por excelência da polÍtica externa «Kemalista» turca (Ataturk estendeu a mão aos bolcheviques no princÍpio dos anos vinte). Lavrov passou delicadamente as páginas da história contemporânea. Em Istambul afirmou que a Rússia pós soviética nãosentia nenhum «factor constritor»pelo facto da Turquia ser membro da NATO enquanto ambas as potências permanecessem «verdadeiramente sinceras, enquanto tivessem verddaeira confiança e mantivessem autêntico respeito mútuo». Que queria dizer?
Na perspectiva russa o que importa é que a Turquia não utilize a qualidade de membro da NATO em detrimento dos interesses da Rússia, ainda que cumpra estritamente as suas obrigações e compromissos com a aliança. Por outras palavras, Lavrov recordou que a Turquia não devia esquecer os seus «outros compromissos e obrigações internacionais», tais como os tratados internacionais que vigoram no regime existente no mar negro, por exemplo».
A Lavrov tranquilizou-o saber que «a Turquia nunca coloca os seus compromissos com acima das suas outras obrigações internacionais, mas que segue sempre estritamente o conjunto de todas as suas obrigações. Este é uma caracterÍstica muito importante que não é caracterÍstica de muitos paÍses. Nós apreciamo-lo e esforçamo-nos por melhoraras nossas relações desta forma». Para se credibilizar deixou atrás de si muito para os seus hóspedes turcos reflectirem.
O tabuleiro de xadrez do Cáucaso
Enquanto, para usar a metáfora de Akyol, começou efectivamente uma nova «sinfonia» no Mar Negro e no sul do Cáucaso. Aos observadores internacionais que reduzem a discórdia actual ao apoio da Rússia ao princÍpio da autodeterminação, as árvores não deixam ver o bosque.
Depois de avaliar a real capacidade da NATO em empreender uma guerra contra a Rússia no Mar Negro (um perito militar avaliou que Moscovo necessitaria de vinte minutos para afundar a frota da Nato), a Rúusia anunciou a sua intenção de deslocar tropas regulares para os recém independentes Estados da Ossétia do Sul e Abkasia, de acordo com os tratados de «amizade, cooperação e ajuda mútua» assinados em Moscovo no passado dia 2 de Setembro.. O ministro da Defesa, anatoly Serdyukov, afirmou que na Ossétia do Sul e a Abkasia seria colocado, em cada um de estes paÍses, um contingente superior a uma brigada.
Em termos práticos, a Rússia reforçou a sua presença na zona do Mar Negro. Na passada terça-feira [2 de Setembro], Lavrov explicou em Moscovo que «a Rússia, a Ossétia do Sul e a Abakasia tomaram todas as medidas conjuntas possÍveis para eliminar e evitar ameaças Í paz ou tentativas de a destruir, e para contra-atacar actos de agressão contra elas por parte de qualquer paÍs ou grupo de paÍses». Afirmou que Moscovo esperava que qualquer discussão posterior no Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre questões de segurança regional carecia de «sentido» sem os representantes da Ossétia e da Abkasia, uma condição prévia que seguramente Washington recusará.
Assim, por todo o Cáucaso ouve-se uma outra sinfonia russo-turca. No passado sábado [6 de Setembro] o presidente turco, Abdullah Gul, voou para Erevan [capital da Arménia] rompendo assim o gelo existente desde há quase um século nas relações entre a Turquia e a Arménia. Moscovo fomenta este degelo. Erevan espera beneficiar com a concórdia regional entre a Rússia e a Turquia para normalizar as relações com Ankara e voltar a abrir a fronteira arménio-turca após quase um século. Espera-se que o presidente arménio, Serge Sarkisian, visite a Turquia em 14 de Outubro. Os discretos canais em que há meses se está a trabalhar discretamente na Suiçaforam elevados ao nÍvel formal. Continua a haver um escolho, particularmente em relação ao complicado problema de Nagorno-Karabakh [2]. Uma vez mais, Washington poderá alarmar-se e começar a jogar com a diáspora arménia nos Estados Unidos.
Em todo o caso, Gul visitou Baku, capital do Azerbeijão na passada 4ª feira [10 de Setembro] para informar os dirigentes do Azerbeijão. Neste contexto, o ministro dos Negócios Estrangeiros azeri, Elmar Mamedyarov, visitou Moscovo no passado fim-de-semana, depois de uma conversa telefónica entre o presidente russo Dimitri Medvdev e o seu homólogo do Azerbeijão Ilkham Aliyev. Medvedev convidou aliyev a visitar Moscovo, que também foi recentemente visitada pelo presidente da Arménia, Sarkisian.
O jornal russo Kommersant, citando uma fonte do Ktremlin, informou que Moscovo podia organizar uma cimeira Arménia-Azerbeijão. Nesse caso, o trabalho conjuntamente da Rússia com a Turquia está efectivamente a passar por cima da Europa e dos Estados Unidos. Até Í data, o denominado grupo de Minsk da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa esteve a dirigir o processo de paz de Nagorno-Karabakh (curiosamente a Rússia é membro do grupo de Minsk de que a Turquia está excluÍda).
O desaire de Cheney em Baku
Citando o Kommersant, «Moscovo e Ankara estão a consolidar as suas posições no Cáucaso, debilitando assim a influência de Washington na região». Os sinais já aÍ estão. Na passada 4ª feira [4 de Setembro] Cheney visitou Baku numa missão cujo objectivo evidente era isolar a Rússia na zona e teve aÍ desagradáveis surpresas.
Os azeris mudaram a sua tradicional hospitalidade para com os dirigentes estadunidenses que os vistam e receberam Cheney no aeroporto com uma delegação de nÍvel baixo. Além disso fizeram-no esperar quase todo o dia até que, finalmente, Aliyev o recebeu. Isto apesar de Cheney pensar que havia uma quÍmica especial entre ele e o dirigente azeri, desde os tempos da Halliburton (Aliyev dirigiu a petrolÍfera estatal SOCRAM).
Cheney acabou por ocupar o dia em visita Í embaixada dos EUA em Baku em conversações com os executivos norte-americanos que trabalham no petróleo, no Azerbeijão. Quando finalmente, Aliyev o recebeu, ao fim da tarde, Cheney descobriu, perturbado, que o Azerbeijão na estava na disposição de conspirar contra a Rússia.
Cheney transmitiu a promessa solene da administração de George W Bush de apoiar os aliados dos Estados Unidos na zona contra o «revanchismo» russo. Expôs a determinação de Washington na actual situação de castigar a Rússia a qualquer preço acelerando o projecto do gasoduto Nabucco. Ma Aliyev deixou claro que não queria ser arrastado numa disputa com Moscovo. Cheney estava profundamente desgostoso e mostrou-o, declinando o convite para o banquete e sua honra. Pouco depois da sua conversa com Cheney, Aliyev falou ao telefone com Medvedev.
A posição do dirigente azeri demonstra que, contrariamente Í propaganda mediática estadunidense, a posição firme russa no Cáucaso aumentou o seu prestÍgio e melhorou a sua posição no espaço pós soviético. Na sua reunião em Moscovo em 5 de Setembro, o CSTO apoiou energicamente a posição russa no conflito com a Geórgia. A 1 e 2 de Setembro, o primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, fez uma muito significativa visita a Tashkent com o objectivo de melhorar o entendimento russo-uzbeque sobre segurança regional. A Rússia e o Uzbequistão acordaram numa maior cooperação no campo energético, incluindo a expansão do sistema de gasodutos da era soviética.
O Kazaquistão, que apoiou abertamente a Rússia na crise do Cáucaso, está a melhorar as suas companhias petrolÍferas adquirindo activos na Europa juntamente com a empresa russa Gazprom. Tudo indica que o Tajiquistão acordou uma expansão da presença militar russa, incluindo a presença de dos seus bombardeiros estratégicos. Mais, a aprovação por parte do CSTO do recente pacote de propostas russas sobre sobre o desenvolvimento de um Tratado europeu (pós NATO) sobre segurança é, no momento presente, um valioso êxito diplomático de Moscovo.
Mas em termos tangÍveis o que mais satisfez Moscovo foi a reacção do Azerbeijão Í s tensões do Cáucaso e ao encerramento temporário do oleoduto Baku-Tbilisi-Ceheyan, enviando as suas exportações para a Europa via oleoduto Baku-Novorossiysk da época soviética. A Cheney não lhe deve ter passado ao lado a ironia de, da noite para o dia, Baku ter passado do oleoduto patrocinado pelos Estados Unidos que evita a Rússia para um oleoduto da época soviética que atravessa o centro da Rússia.
Mais preocupante para Washington é a proposta russa posta em cima da mesa de Aliyev em que Moscovo se propõe comprar todo o gás do Azerbeijão a preços de mercado mundial, uma oferta que as companhias petrolÍferas ocidentais não podem igualar. É uma oferta que Baku considerará seriamente dado o pano de fundo do novo panorama regional.
O fracasso total da missão Cheney em Baku poderá, naturalmente, fazer crer a desagradável surpresa de Washington de comprovar que Moscovo desactivou, de facto, a «diplomacia de canhoneira» de Bush no Mar Negro. Como afirmava gravemente o New Tork Times «depois de um aprofundado debate interno, a administração Bush decidiu não fazer qualquer acção punitiva directa [contra Russia] (Â…), concluindo que tem poucas força se actuar unilateralmente e que seria melhor pressionar para se alcançar um consenso crÍtico internacional dirigido a partir da Europa».
O secretário da Defesa norte-americano, Robert Gates, explicou ao New York times que Washington prefere uma abordagem estratégica a longo prazo e «não uma em que actuemos de forma reactiva o que pode ter consequências negativas. Acrescentou cautelosamente: «Se reagimos de forma demasiado precipitada, pode ser que sejamos nós quem fica isolado». O próprio Cheney atenuou a sua retórica inicial de castigar severamente a Rússia. Acredita agora que deve deixar uma porta aberta para melhorar as relações com a Rússia, e que relançar as futuras relações com os estados Unidos é uma solução que deve ser feita pelos dirigentes de Moscovo.
A Turquia parece que já fez a sua escolha. Pela rapidez com que Erdogan invocou a ideia de um Pacto de Estabilidade no Cáucaso, parece que já estava preparada há algum tempo. Não é tão fácil como parece utilizar sempre os factores geográficos e históricos para obter uma vantagem geopolÍtica. Além disso, como sugere o seu enganador nome, o Mar Negro é agora um irisado mar azul, cheio de delfins brincalhões, mas os piratas e os marinheiros ficaram cativos pela sua aparência negra, quando o cé se abateu sobre eles carregado de nuvens anunciadoras de tempestade.
Notas do tradutor:
[1] O Tratado da Organização de Segurança Colectiva (CSTO) foi assinado pela Arménia, Bielo-Rússia, Kazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tajiquistão e Uzbequistão
[2] Conflito armado (Fevereiro de 1988 a Maio de 1994) no pequeno enclave étnico de Nagorno-Karabakh no sudoeste do Azerbeijão, opondo a maioria étnica arménia residente em Nagorno-Karabakh apoiada pela República da Arménia Í República do Azerbeijão.
* Diplomata dos Ministério dos Negócios Estrangeiros Indiano. Esteve, entre outros paÍses, na ex União Soviética e Turquia.
Tradução de José Paulo Gascão
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